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São Paulo, domingo, 27 de abril de 2003

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PELÉ OFFSHORE

Análise de 2.000 páginas revela as transações de Pelé e Viana

Operações no exterior são detalhadas em processos

DA SUCURSAL DO RIO

Processos judiciais no Rio de Janeiro documentam a história das quatro offshore usadas por Pelé e seu ex-sócio Hélio Viana em negócios no exterior. As offshore são empresas com sede em paraísos fiscais, onde pagam pouco ou nenhum imposto e os proprietários permanecem ocultos.
Durante três meses, a Folha investigou as operações no exterior da dupla que dirigiu o hoje denominado Ministério do Esporte.
Além de processos em curso, foram consultados outros dois, arquivados. No total, foram analisadas mais de 2.000 páginas e obtidos outros papéis que nunca chegaram a ser analisados.
Os autos revelam a existência de duas contas bancárias da Leros Ltd. nas Bahamas e três da PS&M Inc. nos EUA. Cinco cópias de recibos de depósitos, também anexadas aos processos, mostram um movimento, só desses pagamentos, de US$ 3,08 milhões.
Contratos expõem a estrutura em paraísos fiscais, embora muitas transações tratem de serviços prestados no Brasil. Viana assina um contrato como vice-presidente-executivo da PS&M Inc. Pelé assina outro como diretor-presidente. O advogado Sérgio Chermont de Britto, que representa Pelé desde 1974, escreveu em cartas que constam de processos que o ex-atleta é dono da PS&M Inc.
Arnaldo Blaichman, advogado do ex-ministro num processo na 1ª Vara Cível da Barra da Tijuca (zona oeste do Rio), anexou documentos mostrando que Viana acompanhou a abertura da Vinas Sports Enterprises Inc. (Ilhas Virgens Britânicas) em 1990 e a mudança de nome para PS&M Inc. em 1992, ambas executadas por advogados nos EUA.
No processo da Barra, os ex-sócios tentam provar que o outro é o dono da PS&M Inc. Ao negar que Pelé seja o proprietário, Blaichman afirmou à Justiça que a empresa serviria para "lavagem de dinheiro, remessas ilegais de divisas e sonegação fiscal".

Como funciona
A primeira vez que a Folha comprovou operação de Pelé e Viana com offshore não declarada ao fisco foi em 2001: a PS&M Inc. recebera em 1995 US$ 700 mil movimentados em torno de evento "beneficente" na Argentina nunca realizado.
O contrato dessa natureza mais antigo encontrado nos autos é um de 1989 da Leros Ltd. com a Focus Communications, do paraíso fiscal da ilha Jersey (canal da Mancha). A Leros vendeu a presença de Pelé em programas de TV sobre futebol por US$ 480 mil mais porcentagem.
Pelé assinou outro acordo com a Focus se comprometendo a cumprir o que a Leros prometeu. Receberia módicos US$ 20 mil. O advogado de Pelé e da Leros nos EUA era (e continua sendo) o mesmo: Winthrop R. Munyan.
Os acordos funcionam em triangulações: a Leros recebe pelo trabalho de Pelé, que formalmente ganha pouco, em contrato paralelo. Numa ação judicial em Nova York, em 1993, Pelé e a Leros -sua empresa, conforme o advogado Blaichman- agiram juntos.
É por intermédio da Leros que o ex-ministro celebra um dos seus mais bem remunerados contratos de marketing, com a Mastercard dos EUA. De 1999 ao fim de 2002, a empresa das Bahamas teria recebido US$ 4,5 milhões pagos fora do Brasil.

Sociedade
Em 1990, Hélio Viana enviou para o escritório Fox & Horan, de Nova York, ofício tratando da abertura de uma empresa nas Ilhas Virgens Britânicas com o nome de Vinas Sports Enterprise Inc., homônima da Vinas Empreendimentos e Participações Ltd., que ele possuía no Brasil.
A Vinas Inc. foi criada para cuidar do jogo comemorativo dos 50 anos de Pelé, em outubro de 1990, na Itália. O ex-atleta e Viana comercializaram a partida pela Vinas, cujo nome é a combinação das sílabas iniciais de Viana e Nascimento.
Em 1992, a Vinas Inc. mudou o nome para PS&M Inc., igual ao da companhia que Viana mantinha com o sócio majoritário Pelé (60% das cotas) no Rio. Os advogados do ex-ministro anexaram o certificado de incorporação da PS&M Inc. a um processo.
A Folha inventariou 18 indícios documentais de que Pelé e 12 de que Viana fizeram da PS&M Inc., cujos donos são formalmente ignorados, uma extensão da sociedade no Brasil. Numa ação contra Pelé e a PS&M Inc. nos EUA, seus advogados comuns sublinharam que a empresa fica nas Ilhas Virgens, e não no Brasil. Endereço, como descrito em todos os contratos: Palm Chambers, 3 P.O. Box 3152, Road Town, Tortola.
Além dos endereços, os contratos da Leros Ltd. e da PS&M Inc. indicam as contas bancárias para os depósitos.
Em 1994 e 98, foi a PS&M Inc. que fechou com a Coprolatin (Argentina) a participação de Pelé em projetos televisivos. Nenhum dos ex-sócios jamais declarou à Receita a posse da PS&M Inc., nem rendimentos de pessoa física provenientes da empresa.
Correspondência anexada ao processo da Barra mostra que, mundialmente, os direitos da marca "Pelé" são da Glory Establishment. Na Internet, um processo na França cita a Glory como sediada em Liechtenstein.
Com dados parciais dos negócios não-declarados dos empresários Pelé e Viana no exterior, tributaristas e auditores da Receita disseram ser impossível estimar qual seria o valor tributável de todas as operações.
Depende de quanto receberam das empresas, cuja existência em paraísos fiscais é permitida, mas tem de ser obrigatoriamente declarada. A legislação só permite cobrança de tributos não recolhidos nos últimos cinco anos. (MÁRIO MAGALHÃES E SÉRGIO RANGEL)


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