São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Técnico banca fantasia africana

Ratomir Dujkovic e seu auxiliar são adeptos do futebol ofensivo e negam que Gana seja time faltoso

Dupla trabalha junta desde 1992, dispensa preparador físico, mas diz que time tem fôlego e pode, como o Brasil, resolver jogo num lance


FÁBIO VICTOR
ENVIADO ESPECIAL A DORTMUND

O elevado número de faltas cometidas e de contra-ataques criou nos últimos dias a idéia de uma Gana distante da criatividade do futebol africano, domada por um europeu durão.
Se compartilha dessa visão, a seleção brasileira pode ser surpreendida hoje. É uma idéia enganosa, especialmente quando cotejada com a filosofia da comissão técnica de Gana.
O sérvio Ratomir Dujkovic é um entusiasta do futebol ofensivo e tem como fiel escudeiro um treinador que leva esse entusiasmo ao extremo, o venezuelano Ali Cañas.
Eles começaram a trabalhar juntos em 1992, na seleção da Venezuela, e conduzem o rival do Brasil com conceitos heterodoxos, mais voltados para uma escola de técnica e fantasia do que para o futebol de resultados que grassa nesta Copa.
Um bom exemplo é o trabalho de preparação física de Gana. Segundo Dujkovic e Cañas, trata-se de uma das principais explicações para o sucesso da sua equipe até agora. "Estamos preparados para jogar mais de uma partida inteira", assegura o primeiro. "O nosso segredo é usar a preparação física para extrair o ponto esportivo, o auge técnico", afirma o segundo.
Não é nenhuma confissão bombástica -muitos times dizem o mesmo-, a não ser por uma peculiaridade: Gana não tem preparador físico.
No Brasil há dois, Moraci Sant'Anna e Paulo Paixão. Em Gana, quem cuida disso são os próprios Dujkovic e Cañas e um terceiro técnico da comissão, o ganense Sellas Tetteh.
"Para sermos treinadores, precisamos ter conhecimentos de preparação física, uma visão geral do jogo. Temos de trabalhar tudo integrado. Sabemos que o que sobra de tudo é a técnica", observa Cañas.
O venezuelano considera Garrincha o maior jogador do futebol brasileiro. "Pelé foi um fenômeno, mas mais esquemático. Garrincha é genial, fantasia pura, a melhor forma de expressão do futebol." É leitor do uruguaio Eduardo Galeano, outro apologista do jogo bonito.
Dujkovic não conhece tanto o futebol brasileiro, mas é fã de Ronaldinho (em quem votou para melhor do mundo) e do futebol aberto. Indagado pela Folha sobre qual o melhor time que treinou, não hesitou em citar o lendário Estrela Vermelha campeão da Copa dos Campeões de 1991, com Prosinecki, Mihajlovic, Savicevic e Pancev, embora na época fosse auxiliar de Ljubomir Petrovic, que o ensinou o gosto pelo jogo vistoso e contribuiu para formar a reputação dos iugoslavos como "brasileiros da Europa".
Hoje Dujkovic lidera os "brasileiros da África". E se irrita com a menção às faltas. Seu time cometeu 76 em três jogos, recorde da primeira fase.
"Isso é estatística, não comento. Só digo que os Estrelas Negras [apelido do seu time] estão parando os adversários sem jamais ter a intenção de machucá-los. Esse é a diferença entre eles e jogadores de muitas seleções desta Copa."
Dujkovic nega que o fato de seu time usar muitos contra-ataques, recurso no qual é um dos líderes da Copa, seja sinônimo de negação da fantasia africana. Defende o contrário.
"Nosso estilo é livre, valoriza o imprevisível, porque sei que, assim como no Brasil, muitos jogadores de Gana têm capacidade de decidir o jogo num lance de talento, num desses contra-ataques", afirma Dujkovic.
Questionado sobre seu papel na evolução da equipe, o sérvio é humilde: "Eles não precisam de instruções sobre como fazer, só precisam de minha visão de fora, como treinador".


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