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Scolari faz reviver "sebastianismo"
Futebol é o ambiente mais propício e mundano para a instalação do "scolarismo", a cruzada pessoal do brasileiro
Paradoxalmente, gaúcho é estrangeiro que ocupou
o trono de treinador da seleção portuguesa sob olhares tortos dos locais
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MARIENFELD
Há 428 anos, Portugal espera
a volta do rei Dom Sebastião,
morto na batalha de Alcacerquibir (1578), o que fez com que
o trono português fosse ocupado pelo rei espanhol Felipe 2º.
O "sebastianismo" alimenta-se da mística das Cruzadas, de
saudades de glórias passadas e
da frustração pela ocupação estrangeira.
Não poderia haver ambiente
mais propício para que, no âmbito bem mais mundano e modesto do futebol, se instalasse o
"scolarismo", a cruzada pessoal
do gaúcho Luiz Felipe Scolari,
paradoxalmente um estrangeiro que ocupou o trono de treinador português sob olhares
tortos dos locais.
Scolari é mestre, aliás, na arte
de mostrar-se messiânico, como aconteceu ontem, ao comentar o incidente em que seu
jogador, Luís Figo, deu uma cabeçada no holandês Van Bommel (não punida, aliás, pelo
juiz). "Jesus Cristo disse que
dava a outra face. Figo não é Jesus Cristo", comentou o técnico, em alusão ao fato de que a
cabeçada ocorreu na seqüência
da cotovelada de Boulahrouz
no rosto de Figo.
Encarnando o espírito de batalha que costuma dar às partidas decisivas de suas equipes,
negou-se a considerar "reprovável" a atitude de seu atleta.
Ainda fiel ao mito sebastianista, Scolari anunciou que
pretende "ressuscitar" Deco
(também brasileiro, mas naturalizado português), punido pela Fifa com suspensão por um
jogo por ter sido expulso (idêntica punição sofreu Costinha).
O técnico disse que apresentará petição à Fifa, para anular
o primeiro amarelo recebido
por Deco. Alegará que Deco
apenas reagiu à violação do "jogo limpo" praticada pelos holandeses, no que até tem razão.
De fato, Heitinga saiu jogando sem devolver a bola para o
"inimigo" depois que Portugal
a pusera para fora para que fosse atendido um jogador machucado. Scolari, aliás, acusa o técnico rival, Marco van Basten,
de ter estimulado a violação.
Deco, irritado, correu atrás
de Heitinga e passou-lhe uma
rasteira. Mais tarde, pôs a mão
na bola, ganhou o segundo
amarelo e o vermelho.
Assim como reis não ressuscitam, a Fifa também não devolve ao jogo um atleta suspenso. "É quase impossível [rever a
punição]", conforma-se Gilberto Madail, presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Mas a atitude de Scolari
mantém alta a tensão do seu
grupo de "cruzados", aos quais
chamou não por acaso de "heróis" após o triunfo que valeu a
Portugal a passagem para as
quartas-de-final.
O "santo graal" que Scolari
persegue é exposto de forma
até modesta. "Tenho de ajudar
os jogadores a realizar uma façanha ainda maior que Eusébio
e companhia em 1996", afirma.
Eusébio marcou incríveis
quatro gols nas quartas-de-final contra a Coréia, depois que
Portugal começou perdendo de
3 a 0. Virou (5 a 3) e foi às semifinais (eliminado pela Inglaterra), pela primeira e única vez na
história do futebol português.
Façanha ainda maior seria,
por exemplo, chegar à final, o
que exigiria eliminar o Brasil na
semifinal, se as duas seleções a
ela chegarem. Mas a façanha
que está claramente na cabeça
de Scolari é ser campeão, bicampeão, ainda por cima por
dois países diferentes (venceu
com o Brasil em 2002).
Antes, no entanto, é preciso
derrotar a Inglaterra sem dois
dos jogadores de meio-campo
(Deco e Costinha). Por isso, é
fundamental outro "sebastiniasmo", sobre o qual Scolari
não pode influenciar em nada:
recuperar Cristiano Ronaldo, a
maior revelação do futebol português em muitos anos, atingido brutalmente na coxa por
Boulahrouz.
O jogador fez ecografia ontem. "Tem um hematoma intramuscular na coxa que vamos
tentar reabsorver. Acredito que
quinta ou sexta-feira poderá
treinar com alguma intensidade", diz o médico Henrique Jones, que põe em 80% as chances de que Cristiano Ronaldo
jogue sábado.
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