São Paulo, terça-feira, 27 de junho de 2006

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Scolari faz reviver "sebastianismo"

Futebol é o ambiente mais propício e mundano para a instalação do "scolarismo", a cruzada pessoal do brasileiro

Paradoxalmente, gaúcho é estrangeiro que ocupou o trono de treinador da seleção portuguesa sob olhares tortos dos locais


CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A MARIENFELD

Há 428 anos, Portugal espera a volta do rei Dom Sebastião, morto na batalha de Alcacerquibir (1578), o que fez com que o trono português fosse ocupado pelo rei espanhol Felipe 2º.
O "sebastianismo" alimenta-se da mística das Cruzadas, de saudades de glórias passadas e da frustração pela ocupação estrangeira.
Não poderia haver ambiente mais propício para que, no âmbito bem mais mundano e modesto do futebol, se instalasse o "scolarismo", a cruzada pessoal do gaúcho Luiz Felipe Scolari, paradoxalmente um estrangeiro que ocupou o trono de treinador português sob olhares tortos dos locais.
Scolari é mestre, aliás, na arte de mostrar-se messiânico, como aconteceu ontem, ao comentar o incidente em que seu jogador, Luís Figo, deu uma cabeçada no holandês Van Bommel (não punida, aliás, pelo juiz). "Jesus Cristo disse que dava a outra face. Figo não é Jesus Cristo", comentou o técnico, em alusão ao fato de que a cabeçada ocorreu na seqüência da cotovelada de Boulahrouz no rosto de Figo.
Encarnando o espírito de batalha que costuma dar às partidas decisivas de suas equipes, negou-se a considerar "reprovável" a atitude de seu atleta.
Ainda fiel ao mito sebastianista, Scolari anunciou que pretende "ressuscitar" Deco (também brasileiro, mas naturalizado português), punido pela Fifa com suspensão por um jogo por ter sido expulso (idêntica punição sofreu Costinha).
O técnico disse que apresentará petição à Fifa, para anular o primeiro amarelo recebido por Deco. Alegará que Deco apenas reagiu à violação do "jogo limpo" praticada pelos holandeses, no que até tem razão.
De fato, Heitinga saiu jogando sem devolver a bola para o "inimigo" depois que Portugal a pusera para fora para que fosse atendido um jogador machucado. Scolari, aliás, acusa o técnico rival, Marco van Basten, de ter estimulado a violação.
Deco, irritado, correu atrás de Heitinga e passou-lhe uma rasteira. Mais tarde, pôs a mão na bola, ganhou o segundo amarelo e o vermelho.
Assim como reis não ressuscitam, a Fifa também não devolve ao jogo um atleta suspenso. "É quase impossível [rever a punição]", conforma-se Gilberto Madail, presidente da Federação Portuguesa de Futebol.
Mas a atitude de Scolari mantém alta a tensão do seu grupo de "cruzados", aos quais chamou não por acaso de "heróis" após o triunfo que valeu a Portugal a passagem para as quartas-de-final.
O "santo graal" que Scolari persegue é exposto de forma até modesta. "Tenho de ajudar os jogadores a realizar uma façanha ainda maior que Eusébio e companhia em 1996", afirma.
Eusébio marcou incríveis quatro gols nas quartas-de-final contra a Coréia, depois que Portugal começou perdendo de 3 a 0. Virou (5 a 3) e foi às semifinais (eliminado pela Inglaterra), pela primeira e única vez na história do futebol português.
Façanha ainda maior seria, por exemplo, chegar à final, o que exigiria eliminar o Brasil na semifinal, se as duas seleções a ela chegarem. Mas a façanha que está claramente na cabeça de Scolari é ser campeão, bicampeão, ainda por cima por dois países diferentes (venceu com o Brasil em 2002).
Antes, no entanto, é preciso derrotar a Inglaterra sem dois dos jogadores de meio-campo (Deco e Costinha). Por isso, é fundamental outro "sebastiniasmo", sobre o qual Scolari não pode influenciar em nada: recuperar Cristiano Ronaldo, a maior revelação do futebol português em muitos anos, atingido brutalmente na coxa por Boulahrouz.
O jogador fez ecografia ontem. "Tem um hematoma intramuscular na coxa que vamos tentar reabsorver. Acredito que quinta ou sexta-feira poderá treinar com alguma intensidade", diz o médico Henrique Jones, que põe em 80% as chances de que Cristiano Ronaldo jogue sábado.


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