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JOSÉ GERALDO COUTO
Os aflitos
A vocação para o sofrimento e a busca por um salvador do time seguem vivas na torcida do Corinthians
SALVE O Corinthians.
A frase que abre o hino corintiano ganha de tempos em
tempos (como agora) um sentido
dramático. Em momentos assim, a
torcida alvinegra fica à espera de alguém que salve seu time.
Pode ser qualquer um -um treinador tarimbado como Carpegiani
ou um talento adolescente como
Lulinha; um escroque com a mala
cheia de dólares suspeitos ou o pai-de-santo da esquina-, pouco importa, contanto que salve.
O salvacionismo é a verdadeira religião corintiana. E o Pacaembu é o
verdadeiro estádio dos aflitos. Na
noite de anteontem, na derrota para
o Náutico, o lugar foi palco de cenas
de um grotesco desespero.
Numa delas, talvez a mais eloqüente, um torcedor embriagado invadiu o campo, enganou um par de
seguranças com fintas de corpo, sob
a ovação da torcida (que até então
não tivera oportunidade de aplaudir
uma jogada sequer), e acabou tendo
a calça arrancada quase inteiramente quando tentava saltar o alambrado de volta para a arquibancada.
O detalhe é que, na sua evolução
errática pelo gramado, o invasor jogou fora ou deixou cair negligentemente a camisa do clube, que trazia
na mão. Foi como se dissesse que o
Corinthians não interessava mais, e
sim a exibição narcisista da sua própria falta de rumo, do seu desvario.
Para seguir vivo na Copa do Brasil,
o Corinthians podia empatar o jogo
em 0 a 0 ou 1 a 1. O placar de 2 a 2 levaria para os pênaltis. Bastava, portanto, segurar a bola, deixar o adversário se inquietar, jogar no seu erro.
Mas o Corinthians, esse Corinthians espasmódico e acéfalo que
emerge nos momentos de crise, não
é capaz de premeditação e sangue
frio. Essas qualidades couberam ao
Náutico, que poderia ter saído de
São Paulo com uma goleada.
É, amigos, ser corintiano é um
aprendizado do sofrimento.
Manuel Bandeira, ao contrário de
seu conterrâneo João Cabral de Melo Neto, não se interessava por futebol. Mas em 1906, quatro anos antes
da fundação do Corinthians, compôs um poema que poderia ser o verdadeiro hino do clube, ou pelo menos a canção que todo corintiano deveria cantar para ninar seu filho.
É o soneto "Renúncia", tão belo
que merece ser transcrito na íntegra, em homenagem aos 30 mil fiéis
que foram ao Pacaembu anteontem:
"Chora de manso e no íntimo...
Procura/ Curtir sem queixa o mal
que te crucia:/ O mundo é sem piedade e até riria/ Da tua inconsolável
amargura.
"Só a dor enobrece e é grande e é
pura./ Aprende a amá-la que a amarás um dia./ Então ela será tua alegria,/ E será, ela só, tua ventura...
"A vida é vã como a sombra que
passa.../ Sofre sereno e de alma sobranceira,/ Sem um grito, sequer,
tua desgraça.
"Encerra em ti tua tristeza inteira./ E pede humildemente a Deus
que a faça/ Tua doce e constante
companheira..."
FINAL EM ABERTO
Como todos esperavam, teremos
um San-São na final do Paulista, só
que com o santo trocado: o São
Caetano no lugar do São Paulo. Há
quem diga que o tricolor entrou em
campo de salto alto contra o Azulão, e há quem diga que o time chegou ao ponto ótimo antes da hora e
"virou o fio". O Santos também ficou perto de cair diante do Bragantino. Terá também "virado o fio"?
KAKÁ, O TRAVESSO
Com aquela cara de santo e aquele discurso carola, Kaká fez jogada
encapetada, digna de Garrincha,
Dener ou Edílson, no seu segundo
gol contra o Manchester, nesta semana. Ao ver que teria a passagem
barrada por dois zagueiros, antecipou-se com leve toque de cabeça,
fez os marmanjos trombarem e
saiu pelo lado para pegar a bola e fazer o gol. Chaplin não faria melhor.
jgcouto@uol.com.br
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