São Paulo, sábado, 28 de abril de 2007

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JOSÉ GERALDO COUTO

Os aflitos

A vocação para o sofrimento e a busca por um salvador do time seguem vivas na torcida do Corinthians

SALVE O Corinthians. A frase que abre o hino corintiano ganha de tempos em tempos (como agora) um sentido dramático. Em momentos assim, a torcida alvinegra fica à espera de alguém que salve seu time. Pode ser qualquer um -um treinador tarimbado como Carpegiani ou um talento adolescente como Lulinha; um escroque com a mala cheia de dólares suspeitos ou o pai-de-santo da esquina-, pouco importa, contanto que salve. O salvacionismo é a verdadeira religião corintiana. E o Pacaembu é o verdadeiro estádio dos aflitos. Na noite de anteontem, na derrota para o Náutico, o lugar foi palco de cenas de um grotesco desespero.
Numa delas, talvez a mais eloqüente, um torcedor embriagado invadiu o campo, enganou um par de seguranças com fintas de corpo, sob a ovação da torcida (que até então não tivera oportunidade de aplaudir uma jogada sequer), e acabou tendo a calça arrancada quase inteiramente quando tentava saltar o alambrado de volta para a arquibancada. O detalhe é que, na sua evolução errática pelo gramado, o invasor jogou fora ou deixou cair negligentemente a camisa do clube, que trazia na mão. Foi como se dissesse que o Corinthians não interessava mais, e sim a exibição narcisista da sua própria falta de rumo, do seu desvario.
Para seguir vivo na Copa do Brasil, o Corinthians podia empatar o jogo em 0 a 0 ou 1 a 1. O placar de 2 a 2 levaria para os pênaltis. Bastava, portanto, segurar a bola, deixar o adversário se inquietar, jogar no seu erro. Mas o Corinthians, esse Corinthians espasmódico e acéfalo que emerge nos momentos de crise, não é capaz de premeditação e sangue frio. Essas qualidades couberam ao Náutico, que poderia ter saído de São Paulo com uma goleada. É, amigos, ser corintiano é um aprendizado do sofrimento.
Manuel Bandeira, ao contrário de seu conterrâneo João Cabral de Melo Neto, não se interessava por futebol. Mas em 1906, quatro anos antes da fundação do Corinthians, compôs um poema que poderia ser o verdadeiro hino do clube, ou pelo menos a canção que todo corintiano deveria cantar para ninar seu filho. É o soneto "Renúncia", tão belo que merece ser transcrito na íntegra, em homenagem aos 30 mil fiéis que foram ao Pacaembu anteontem: "Chora de manso e no íntimo...
Procura/ Curtir sem queixa o mal que te crucia:/ O mundo é sem piedade e até riria/ Da tua inconsolável amargura.
"Só a dor enobrece e é grande e é pura./ Aprende a amá-la que a amarás um dia./ Então ela será tua alegria,/ E será, ela só, tua ventura...
"A vida é vã como a sombra que passa.../ Sofre sereno e de alma sobranceira,/ Sem um grito, sequer, tua desgraça.
"Encerra em ti tua tristeza inteira./ E pede humildemente a Deus que a faça/ Tua doce e constante companheira..."

FINAL EM ABERTO
Como todos esperavam, teremos um San-São na final do Paulista, só que com o santo trocado: o São Caetano no lugar do São Paulo. Há quem diga que o tricolor entrou em campo de salto alto contra o Azulão, e há quem diga que o time chegou ao ponto ótimo antes da hora e "virou o fio". O Santos também ficou perto de cair diante do Bragantino. Terá também "virado o fio"?

KAKÁ, O TRAVESSO
Com aquela cara de santo e aquele discurso carola, Kaká fez jogada encapetada, digna de Garrincha, Dener ou Edílson, no seu segundo gol contra o Manchester, nesta semana. Ao ver que teria a passagem barrada por dois zagueiros, antecipou-se com leve toque de cabeça, fez os marmanjos trombarem e saiu pelo lado para pegar a bola e fazer o gol. Chaplin não faria melhor.

jgcouto@uol.com.br


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