São Paulo, terça, 28 de abril de 1998

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Indignação sadia

JUCA KFOURI

Alguma coisa mudou para melhor, sem dúvida. A maior torcida de São Paulo não tripudiou sobre a minoria lusa.
Sempre se disse que ganhar é o que vale, mesmo que no último minuto com gol de mão e em impedimento.
Pois o torcedor corintiano não reagiu assim.
Nas ruas, nos faxes, nos telefonemas, na Internet, a esmagadora maioria se diz envergonhada, solidária com a dor do adversário.
E mesmo depois de constatar à exaustão na TV que os dois gols lusos foram irregulares e que o primeiro pênalti alvinegro existiu mesmo.
Curiosa contradição essa. Os dois gols irregulares foram normais, desses que acontecem às centenas em todos os fins-de-semana mundo afora -e, lembremos, a Fifa manda seguir o lance em caso de dúvida sobre impedimentos.
Já o pênalti que houve foi anormal, nunca ninguém marcou -exceção feita ao próprio Javier Castrilli, é verdade, conhecido por marcá-los na Argentina.
Mas não é a normalidade dos gols irregulares ou a anormalidade do gol regular que está em discussão.
A indignação geral nasce do gol que decidiu a vaga nas finais, o golpe fatal.
É por isso que não tem a menor importância, sob os rigores da lei, argumentar que o Corinthians deveria ter vencido por 1 a 0.
Só importa a perplexidade diante do que fez o arrogante árbitro argentino.
Não havia o que interpretar, não havia por que ter dúvida, o árbitro estava na cara do lance. O que houve?
Um branco, como o de Oséas no célebre gol contra, ou pura e simples perseguição com o mais fraco?
Nunca se saberá ao certo.
É evidente que o momento se presta a muita demagogia em defesa do mais fraco -mais fraco que, repita-se, foi favorecido em dois gols.
Mas o que conta é a atitude geral, é a vergonha sentida pela maioria corintiana, é a constatação, enfim e mesmo que por apenas um momento, de que os fins não justificam os meios. Aleluia!
É um bom começo, parece.
Que bem poderia continuar para além dos campos de futebol, transformando-se em indignação também contra o imobilismo diante dos campos secos do Nordeste, dos brasileiros que ainda morrem de fome como animais.
Que a vergonha da nação corintiana tome conta do país para fazer não só um futebol melhor, mas um Brasil melhor.



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