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TURISTA OCIDENTAL
Oizumi se torna o bairro da Liberdade da comunidade brasileira no Japão
A final em casa
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A OIZUMI
Uma das coisas mais desesperadoras na Copa-2002 é a sensação
de que, zonzo com o desconhecimento dos idiomas locais, o viajante pegou o transporte errado,
para o lugar errado e não tem certeza de nada. É pior que o desconforto com os banheiros públicos
no Japão em que os sanitários ficam cavados no solo, impondo ao
usuário a posição de cócoras.
No começo da tarde de ontem, a
impressão era justamente essa: o
ônibus pego perto da estação ferroviária de Kumagaya parecia ir
para qualquer lugar, menos para a
pequena cidade de Oizumi.
Um policial, com bom inglês,
sentenciara: chega em meia hora.
Trinta minutos depois, só se viam
plantações de arroz em terras alagadas, campos de beisebol e motéis de beira de estrada. Até uma
placa no acostamento indicar que
o caminho poderia estar certo:
propagandeava em português um
serviço de ligações telefônicas baratas para o Brasil. Adiante, o pátio de uma escola abrigava traves
de futebol. Não tem erro.
No ponto final, o equivalente a
R$ 13 é depositado numa caixa ao
lado do motorista. Por 38 minutos de viagem. Num canto da praça, uma agência de empregos oferece vagas, em português.
Em 20 passos entra-se na Canta
Galo, uma loja com produtos brasileiros, peruanos e bolivianos. O
dono é o japonês Miyagi Choei,
67, que viveu 35 anos em São Paulo. Ele oferece vinho Sangue de
Boi, caninha 51, sabonete Phebo,
erva para chimarrão, feijão preto,
fradinho e mulatinho. Tudo ""made in Brazil".
Andando menos de 400 metros
encontra-se uma igreja da Assembléia de Deus. Há dez denominações evangélicas brasileiras em
Oizumi, incluindo a Igreja Universal do Reino de Deus. O padre
católico mais próximo está em
Ota, município vizinho.
Na mesma rua, um salão anuncia: ""A beleza em você é arte com
Cícero Cabeleireiros". Está aberto. O bar, lanchonete e karaokê
Luar do Sertão, fechado. Ao contrário do restaurante Brasil, cujo
dono, o paulistano Ronni Kenji
Ota, 35, diz que a comunidade
brasileira vive desde a véspera em
frenesi: só pensa em como arranjar entradas para a final da Copa,
entre Brasil e Alemanha.
Anteontem, 200 brasileiros de
Oizumi, entre eles Ronni Ota, estiveram no estádio de Saitama testemunhando a vitória contra a
Turquia. Foram de carro, em
pouco menos de uma hora.
Com cerca de 40 mil habitantes,
Oizumi (a uma hora e 45 minutos
de trem de Tóquio) abriga pelo
menos 4.000 brasileiros, 10% do
total. Não há nada igual no Japão.
Na Liberdade, bairro japonês de
São Paulo, pode-se viver quase
como no Japão. Em Oizumi, caminha-se para isso. No restaurante Brasil, por exemplo, a picanha
suculenta (australiana ou americana) é servida com arroz e feijão
temperados por uma cozinheira
carioca.
Ota desembarcou em 1988 na
terra de onde seu pai saíra para o
Brasil. Fugia da crise que inviabilizou o trabalho na compra e na
venda de legumes. Fábricas como
a Sanyo e a Subaru precisavam de
mão-de-obra em Oizumi. O hoje
comerciante veio ganhar a vida na
linha de produção.
Ele sintetiza o que pode ser considerado como elite brasileira no
Japão: pulou da fábrica para um
negócio próprio voltado às necessidades dos 260 mil decasséguis.
E, por viver melhor agora do que
antes, cogita ficar de vez. Ao contrário da maioria de operários que
dão duro pensando em acumular
dinheiro e voltar.
""No mês passado meu irmão,
que tem um sushi bar na Vila Mariana [bairro de São Paulo", foi
sequestrado durante dois dias. A
polícia o libertou porque ele foi
localizado pelo sinal do celular.
Não há como viver no Brasil",
afirma Ota.
Para viver melhor em Oizumi,
ele preside uma associação pró-integração de brasileiros e japoneses. Tem trabalho. Se, por um
lado, os estrangeiros dinamizam
o cotidiano local, por outro
aprontam. Em 2001, um brasileiro
matou o senhorio que cobrava
aluguéis. Outros roubam, furtam
e descumprem leis.
""Queremos mostrar que não foi
"um brasileiro" que fez isso ou
aquilo, mas "o brasileiro". Não dá
para generalizar."
A dois minutos de carro do restaurante, os irmãos paraenses Roberto, 33, e Ronildo Hideka, 31,
tocam o seu Planet Café, no shopping Brazilian Plaza. Anteontem,
o estoque de cerveja brasileira
acabou. Mais de 300 pessoas se
reuniram ali para ver pela TV o
jogo do Brasil. Ao lado do café fica
o Açougue do Baixinho. Num supermercado, a edição de domingo passado da Folha sai por R$ 27.
Os Hideka são igualmente
exemplos de uma inflexão na comunidade de imigrantes, com o
sonho do retorno substituído pelo projeto de ficar. As duas filhas
de Roberto, casado com uma japonesa, torceram na Copa para o
Japão, e não para o Brasil.
O filho mais velho de Ronildo,
de cinco anos, pediu para a mãe
falar mais baixo quando ela, brasileira, gritou com um gol. "Ele já
pensa como japonês", diz o pai.
Os irmãos enviaram um amigo a Yokohama, local da decisão, em
busca de ingressos. Herdeiro da preferência pela Inglaterra, o Brasil terá o apoio da torcida japonesa no domingo. Jogará como se estivesse em Oizumi: em casa.
No ponto do "basso" (ônibus), um aviso informa que, o próximo, só daqui a mais de uma hora. É melhor ir de trem. Depois de várias trocas de composição até Yokohama, a impressão é que se passou o dia indo -e chegando- no rumo errado.
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