São Paulo, sexta-feira, 28 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Oizumi se torna o bairro da Liberdade da comunidade brasileira no Japão

A final em casa

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A OIZUMI

Uma das coisas mais desesperadoras na Copa-2002 é a sensação de que, zonzo com o desconhecimento dos idiomas locais, o viajante pegou o transporte errado, para o lugar errado e não tem certeza de nada. É pior que o desconforto com os banheiros públicos no Japão em que os sanitários ficam cavados no solo, impondo ao usuário a posição de cócoras.
No começo da tarde de ontem, a impressão era justamente essa: o ônibus pego perto da estação ferroviária de Kumagaya parecia ir para qualquer lugar, menos para a pequena cidade de Oizumi.
Um policial, com bom inglês, sentenciara: chega em meia hora. Trinta minutos depois, só se viam plantações de arroz em terras alagadas, campos de beisebol e motéis de beira de estrada. Até uma placa no acostamento indicar que o caminho poderia estar certo: propagandeava em português um serviço de ligações telefônicas baratas para o Brasil. Adiante, o pátio de uma escola abrigava traves de futebol. Não tem erro.
No ponto final, o equivalente a R$ 13 é depositado numa caixa ao lado do motorista. Por 38 minutos de viagem. Num canto da praça, uma agência de empregos oferece vagas, em português.
Em 20 passos entra-se na Canta Galo, uma loja com produtos brasileiros, peruanos e bolivianos. O dono é o japonês Miyagi Choei, 67, que viveu 35 anos em São Paulo. Ele oferece vinho Sangue de Boi, caninha 51, sabonete Phebo, erva para chimarrão, feijão preto, fradinho e mulatinho. Tudo ""made in Brazil".
Andando menos de 400 metros encontra-se uma igreja da Assembléia de Deus. Há dez denominações evangélicas brasileiras em Oizumi, incluindo a Igreja Universal do Reino de Deus. O padre católico mais próximo está em Ota, município vizinho.
Na mesma rua, um salão anuncia: ""A beleza em você é arte com Cícero Cabeleireiros". Está aberto. O bar, lanchonete e karaokê Luar do Sertão, fechado. Ao contrário do restaurante Brasil, cujo dono, o paulistano Ronni Kenji Ota, 35, diz que a comunidade brasileira vive desde a véspera em frenesi: só pensa em como arranjar entradas para a final da Copa, entre Brasil e Alemanha.
Anteontem, 200 brasileiros de Oizumi, entre eles Ronni Ota, estiveram no estádio de Saitama testemunhando a vitória contra a Turquia. Foram de carro, em pouco menos de uma hora.
Com cerca de 40 mil habitantes, Oizumi (a uma hora e 45 minutos de trem de Tóquio) abriga pelo menos 4.000 brasileiros, 10% do total. Não há nada igual no Japão.
Na Liberdade, bairro japonês de São Paulo, pode-se viver quase como no Japão. Em Oizumi, caminha-se para isso. No restaurante Brasil, por exemplo, a picanha suculenta (australiana ou americana) é servida com arroz e feijão temperados por uma cozinheira carioca.
Ota desembarcou em 1988 na terra de onde seu pai saíra para o Brasil. Fugia da crise que inviabilizou o trabalho na compra e na venda de legumes. Fábricas como a Sanyo e a Subaru precisavam de mão-de-obra em Oizumi. O hoje comerciante veio ganhar a vida na linha de produção.
Ele sintetiza o que pode ser considerado como elite brasileira no Japão: pulou da fábrica para um negócio próprio voltado às necessidades dos 260 mil decasséguis. E, por viver melhor agora do que antes, cogita ficar de vez. Ao contrário da maioria de operários que dão duro pensando em acumular dinheiro e voltar.
""No mês passado meu irmão, que tem um sushi bar na Vila Mariana [bairro de São Paulo", foi sequestrado durante dois dias. A polícia o libertou porque ele foi localizado pelo sinal do celular. Não há como viver no Brasil", afirma Ota.
Para viver melhor em Oizumi, ele preside uma associação pró-integração de brasileiros e japoneses. Tem trabalho. Se, por um lado, os estrangeiros dinamizam o cotidiano local, por outro aprontam. Em 2001, um brasileiro matou o senhorio que cobrava aluguéis. Outros roubam, furtam e descumprem leis.
""Queremos mostrar que não foi "um brasileiro" que fez isso ou aquilo, mas "o brasileiro". Não dá para generalizar."
A dois minutos de carro do restaurante, os irmãos paraenses Roberto, 33, e Ronildo Hideka, 31, tocam o seu Planet Café, no shopping Brazilian Plaza. Anteontem, o estoque de cerveja brasileira acabou. Mais de 300 pessoas se reuniram ali para ver pela TV o jogo do Brasil. Ao lado do café fica o Açougue do Baixinho. Num supermercado, a edição de domingo passado da Folha sai por R$ 27.
Os Hideka são igualmente exemplos de uma inflexão na comunidade de imigrantes, com o sonho do retorno substituído pelo projeto de ficar. As duas filhas de Roberto, casado com uma japonesa, torceram na Copa para o Japão, e não para o Brasil.
O filho mais velho de Ronildo, de cinco anos, pediu para a mãe falar mais baixo quando ela, brasileira, gritou com um gol. "Ele já pensa como japonês", diz o pai.
Os irmãos enviaram um amigo a Yokohama, local da decisão, em busca de ingressos. Herdeiro da preferência pela Inglaterra, o Brasil terá o apoio da torcida japonesa no domingo. Jogará como se estivesse em Oizumi: em casa.
No ponto do "basso" (ônibus), um aviso informa que, o próximo, só daqui a mais de uma hora. É melhor ir de trem. Depois de várias trocas de composição até Yokohama, a impressão é que se passou o dia indo -e chegando- no rumo errado.



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