São Paulo, sábado, 29 de março de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JOSÉ GERALDO COUTO

Volta Casão

A Democracia Corintiana de Sócrates e Casagrande foi bela, mas não livrou o futebol das patrulhas morais

DOIS ASSUNTOS , um animador, o outro preocupante.
Primeiro, foi a estréia espetacular de Alexandre Pato na seleção, quarta-feira, contra a Suécia.
No dia seguinte, a má notícia chegava às bancas nas páginas da "Placar": Casagrande está internado numa clínica para se livrar das drogas. O que uma história tem a ver com a outra? A rigor, quase nada.
São gerações diferentes, temperamentos diferentes, estilos de jogo e de vida diferentes.
O mais conveniente seria tratar dos dois assuntos em separado, colocando um intertítulo entre eles. Mas aproximar os dois jogadores pode ajudar a revelar o que há de contraste e o que há de continuidade entre as duas épocas.
Casagrande despontou na era da Democracia Corintiana, movimento que propugnava o relaxamento do controle sobre a vida privada dos atletas e, ao mesmo tempo, o aumento de sua participação na condução do time e no movimento geral pelas liberdades democráticas no país.
Liderada por Sócrates, foi uma experiência efêmera, mas bela e inesquecível. Além de batalhar por liberdade, os jogadores praticavam um bom futebol, e Casagrande fazia gols em profusão.
Mas já havia então uma tentativa de desqualificar a atuação política e a independência pessoal do atacante pespegando-lhe o rótulo de "bad boy". Chegou a ser detido pela polícia por suposta posse de cocaína, episódio até hoje obscuro.
A identificação de Casagrande com a torcida alvinegra era tão grande que, anos depois de ter deixado o Parque São Jorge, passado pelo São Paulo e atuado em time de Portugal e da Itália, ouviu no Pacaembu, jogando com a camisa do Flamengo, o coro da Fiel: "Volta Casão, seu lugar é no Timão".
Mas não é isso o que importa aqui, e sim o paralelo, um tanto forçado, com Alexandre Pato. Diga-se entre parênteses: tecnicamente, Pato é mais completo e tem potencial para ser um verdadeiro craque.
Os tempos são outros.
Antes de ir para a Europa, Casagrande jogou seis temporadas em três clubes brasileiros: Corinthians, Caldense e São Paulo.
Pato não chegou a jogar nem uma temporada inteira. Revelado pelo Internacional, foi para a Itália antes de ter tido a oportunidade de disputar sequer um Gre-Nal.
Pato parece não ser nem um carola como Kaká nem um baladeiro como Edmundo. Namora uma atriz, modelo ou coisa que o valha, enfim, uma dessas celebridades instantâneas que proliferam por aí.
Mandou um coração para ela ao marcar contra a Suécia.
As câmeras o acompanham por toda parte, ávidas por um deslize que alimente a indústria da futilidade e o moralismo de butique.
Imagine se fosse assim no tempo em que Sócrates tomava sua cervejinha e fumava, o que não o impedia de ser um gênio da bola.
Tomara que o futebol de Pato e seu sorriso de menino escapem ilesos desse patrulhamento.
Para que possamos ter momentos de surpresa e poesia como o gol que ele fez contra a Suécia, iluminando fugazmente uma tarde cinzenta.


jgcouto@uol.com.br

Texto Anterior: Romário: Atacante diz estar desempregado
Próximo Texto: Valdivia busca estréia em finais
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.