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JOSÉ GERALDO COUTO
Volta Casão
A Democracia Corintiana
de Sócrates e Casagrande
foi bela, mas não livrou o futebol das patrulhas morais
DOIS ASSUNTOS , um animador,
o outro preocupante.
Primeiro, foi a estréia espetacular de Alexandre Pato na seleção, quarta-feira, contra a Suécia.
No dia seguinte, a má notícia chegava às bancas nas páginas da "Placar":
Casagrande está internado numa
clínica para se livrar das drogas.
O que uma história tem a ver com
a outra? A rigor, quase nada.
São gerações diferentes, temperamentos diferentes, estilos de jogo e
de vida diferentes.
O mais conveniente seria tratar
dos dois assuntos em separado, colocando um intertítulo entre eles.
Mas aproximar os dois jogadores
pode ajudar a revelar o que há de
contraste e o que há de continuidade
entre as duas épocas.
Casagrande despontou na era da
Democracia Corintiana, movimento que propugnava o relaxamento
do controle sobre a vida privada
dos atletas e, ao mesmo tempo, o
aumento de sua participação na
condução do time e no movimento
geral pelas liberdades democráticas
no país.
Liderada por Sócrates, foi uma experiência efêmera, mas bela e inesquecível. Além de batalhar por liberdade, os jogadores praticavam um
bom futebol, e Casagrande fazia gols
em profusão.
Mas já havia então uma tentativa
de desqualificar a atuação política e
a independência pessoal do atacante
pespegando-lhe o rótulo de "bad
boy". Chegou a ser detido pela polícia por suposta posse de cocaína,
episódio até hoje obscuro.
A identificação de Casagrande
com a torcida alvinegra era tão grande que, anos depois de ter deixado o
Parque São Jorge, passado pelo São
Paulo e atuado em time de Portugal
e da Itália, ouviu no Pacaembu, jogando com a camisa do Flamengo, o
coro da Fiel: "Volta Casão, seu lugar
é no Timão".
Mas não é isso o que importa aqui,
e sim o paralelo, um tanto forçado,
com Alexandre Pato.
Diga-se entre parênteses: tecnicamente, Pato é mais completo e tem
potencial para ser um verdadeiro
craque.
Os tempos são outros.
Antes de ir para a Europa, Casagrande jogou seis temporadas em
três clubes brasileiros: Corinthians,
Caldense e São Paulo.
Pato não chegou a jogar nem uma
temporada inteira. Revelado pelo
Internacional, foi para a Itália antes
de ter tido a oportunidade de disputar sequer um Gre-Nal.
Pato parece não ser nem um carola como Kaká nem um baladeiro como Edmundo.
Namora uma atriz, modelo ou coisa que o valha, enfim, uma dessas celebridades instantâneas que proliferam por aí.
Mandou um coração para ela ao
marcar contra a Suécia.
As câmeras o acompanham por
toda parte, ávidas por um deslize
que alimente a indústria da futilidade e o moralismo de butique.
Imagine se fosse assim no tempo
em que Sócrates tomava sua cervejinha e fumava, o que não o impedia
de ser um gênio da bola.
Tomara que o futebol de Pato e
seu sorriso de menino escapem ilesos desse patrulhamento.
Para que possamos ter momentos
de surpresa e poesia como o gol que
ele fez contra a Suécia, iluminando
fugazmente uma tarde cinzenta.
jgcouto@uol.com.br
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