São Paulo, quarta-feira, 29 de maio de 2002

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TORCIDA

Interjeição de admiração iguala gol a todos os lances

No Japão, Mundial vibra com falta e impedimento

RODRIGO BUENO
ENVIADO ESPECIAL A YOKOHAMA

O craque pega a bola na intermediária, dribla um, livra-se de outro, invade a área e chuta. A bola passa raspando na trave. Uuuh! O lance pode até acontecer em um Argentina x Inglaterra, Itália x Croácia ou Alemanha x Camarões neste Mundial, mas não a interjeição acima.
Na Copa deste ano, nas partidas no Japão, o grito da torcida é outro, e qualquer lance, mesmo o mais simples, ""mexe" com o público na ""arquibancada".
Se a bola é jogada na área de qualquer jeito, se o zagueiro corta de cabeça, se é marcado um impedimento ou alguém dá um chute a gol (ou para fora dele também), os torcedores locais dizem (não gritam) "Oooh!".
A interjeição dos torcedores é como uma demonstração de espanto. Mesmo nas ruas, quando os japoneses são surpreendidos de alguma forma positiva, soltam essa expressão. Nos jogos de futebol, porém, a torcida se manifesta tantas vezes dessa forma que o jogo parece de outro mundo.
Todos os lances e movimentos são observados atentamente e ganham uma narração coletiva.
Para os japoneses, todos em campo são artistas e tudo que ocorre no jogo é digno de adoração. Sempre que a bola sai pela linha lateral ou pela linha de fundo, surgem aplausos. O mesmo acontece após a marcação de gols, mas aí os aplausos são mais intensos.
Vaias e insultos a jogadores ou a qualquer pessoa no gramado, incluindo o juiz, não existem no Japão. Os torcedores são telespectadores, acostumados a ver os replays dos gols e dos lances de perigo nos telões de seus estádios. Na Copa do Mundo, o replay no estádio ainda é vetado pela Fifa.
A reportagem da Folha acompanhou a partida amistosa entre Camarões e Inglaterra, em Kobe, uma das cidades japonesas mais acostumadas a receber jogos internacionais de futebol. O público, bastante jovem, parecia já bem familiarizado com o esporte -boa parte dos japoneses no estádio tinha camisa das estrelas Owen ou Beckham ou estampava uma bandeira da Inglaterra, em alguns casos até no próprio rosto.
Cada vez que Owen pegava na bola, a interjeição favorita dos torcedores japoneses era ouvida -a fraca atuação não afetou em nada a ovação ao jogador do Liverpool.
Beckham, ainda contundido, não jogou, mas apareceu no campo antes do jogo, fez um aquecimento e deu uma pequena corrida. Por isso recebeu quase tanto ou mais ""ooohs" que Owen.
Mesmo os craques, acostumados com a fama e a bajulação, estranham o modo como são apreciados em campo no Japão. Os atletas que pouco aparecem, porém, ficam impressionados -um reserva de Camarões deu uma bisonha furada na hora de cruzar, quase caiu no chão e foi saudado, sem ironia, pela torcida.
O futebol é visto pelo torcedor japonês de forma tão diferente que mesmo os acontecimentos paralelos ao jogo (um torcedor inglês soltar um grito, por exemplo) são atração. O jogo, para eles, é de fato um grande espetáculo.
Uma prova é a seguinte sequência: quase no fim do amistoso, um jogador de Camarões foi substituído (aplausos), chegou perto da torcida (Oooh!), tirou a camisa (Oooh!), a jogou na arquibancada (Oooh!), e a mesma caiu no chão, pois ninguém entendeu o que estava acontecendo.



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