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TURISTA OCIDENTAL
No centro de Seul, a 511ª manifestação semanal em frente à Embaixada do Japão
O BANQUINHO DAS EX-ESCRAVAS SEXUAIS
MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A SEUL
Vendo estas mulheres assim de
perto, ao vivo, de carne e osso,
custa-se a acreditar que tudo tenha se passado como se passou.
E tudo aconteceu exatamente
como hoje se sabe. Depoimentos
são centenas. Fotografias também
existem. Organismos multilaterais, como a Comissão de Direitos
Humanos das Nações Unidas, escarafuncharam até reconstituir as
passagens mais sórdidas.
O vínculo supremo com o passado é a memória destas octogenárias e septuagenárias. O que para alguns parece remoto, para elas
foi ontem. Quando muito, anteontem. Não cicatrizou.
É pontualmente meio-dia de
quarta-feira no centro de Seul. O
sol de verão incendeia a primavera na Coréia do Sul. Sentadas em
banquinhos, dez mulheres se postam na calçada em frente à Embaixada do Japão.
Diante delas, uma tropa de policiais com idade para ser seus netos ou bisnetos as contempla expondo cassetetes de dimensões
pornográficas e escudos. Começa
a 511ª manifestação semanal das
ex-escravas sexuais.
São sobreviventes. De 1932 a
1945, o Exército Imperial Japonês
recrutou à força cerca de 200 mil
mulheres para servirem sexualmente aos seus soldados e oficiais
nos fronts de guerra asiáticos.
A maioria era de coreanas. Ficava mais fácil: em 1910, o Japão
anexara a Coréia na marra. Sairia
em 1945. Em 1992, contavam-se
apenas 300 coreanas vivas. Hoje
não são mais de 140.
Com as mulheres em silêncio,
em seus banquinhos, integrantes
de um movimento de apoio à punição de criminosos de guerra
narram ao microfone coisas do
passado. De mulheres que estão
ali, que não estão, que morreram.
Chung Seo-woon foi arrastada
para a Indonésia. Depois contaria
não ter entendido o que um médico militar japonês fez ao lhe penetrar uma barra de ferro quente.
Descobriu que fora uma das 3.000
esterilizadas em Jacarta. De segunda a sexta, suportava 50 militares por dia. Sábado e domingo,
cem. Nunca pôde ter filhos.
Chong Ok-sun foi carregada aos
13 anos. Resistiu, desvirginaram-na com um cassetete. Viu outra
coreana reclamar e ter a cabeça
arrancada com uma espada. Uma
escrava foi retalhada. Chong nunca mais teve intercurso. Por causa
da dor e do trauma.
Cessam os discursos. Os cerca
de 80 presentes, dos quais 16 freiras católicas, entoam cânticos. Palavras de ordem. Punhos cerrados. Levanta do banquinho a única ex-escrava a discursar hoje:
Yoon Sun-man, 83. Recomeça,
agora de costas para as companheiras e de frente para a embaixada, a reviver a sua saga.
Boa parte das mais de 100 mil
coreanas foi sequestrada quando
tinha de 14 a 18 anos. O Exército
Imperial Japonês temia a proliferação de doenças venéreas. Por isso queria virgens. Não adiantava
mentir, falar em marido. Os cabelos denunciavam a condição conjugal. Casada se penteava de um
jeito, solteira de outro.
O Japão passou a construir em
1932 o que foi designado eufemisticamente de ""estações de conforto". Nelas estariam as ""comfort
women", expressão em inglês que
qualifica as mulheres que provêm
conforto. A primeira estação foi
montada em Shangai, na China.
Outras foram espalhadas por toda
a Ásia, porém não na Coréia.
Por isso, desavisadas, algumas
coreanas aceitavam convites para
trabalhar em fábricas distantes,
aliviando em uma boca famílias
empobrecidas e famélicas. Em vez
de ir para fábricas, eram despejadas nessa espécie pouco alardeada de campo de concentração: as
""estações de conforto".
Não se tratava de prostíbulos
nem de prostitutas. Não havia negócio nem nada elas recebiam para ""confortar" os militares. Submetidas a trabalho forçado, não
podiam sair. Era escravidão.
Muitas tentaram fugir e foram
mortas. Numa só estação, 70 foram assassinadas em 1945 horas
antes do resgate por tropas dos
EUA. Várias se suicidaram, ainda
presas ou nas décadas seguintes.
Agora, de frente para a embaixada, Yoon Sun-man reafirma as
reivindicações essenciais: que o
Japão peça desculpas, puna os
responsáveis ainda vivos, reconheça que houve crimes de guerra, compense as vítimas e corrija
os livros que escamoteiam a tragédia das ""comfort women".
O Japão afirma que não pode
responder com base nas leis sobre
guerra só aprovadas em 1949, em
Genebra. E que os acordos pós-Segunda Guerra Mundial (1939-45) zeraram o jogo.
Para muitas sobreviventes, o
tempo não passou. Sua história
permanece tabu até na Coréia.
Depois da guerra, elas eram consideradas prostitutas. Escondiam
o passado. Na manifestação, uma
delas oculta o rosto com uma folha de papel. Quatro compartilham uma casa no interior.
Até dez anos atrás faltava coragem para reaparecer e exigir o que
consideram seus direitos. O primeiro protesto foi em janeiro de
1992, numa quarta-feira. Não pararam mais. Sempre às 12h.
Yoon Sun-man, escravizada em
1941, termina o discurso da quarta
passada. Às 12h30, nem um minuto a mais ou a menos, elas vão
embora com os banquinhos. Kim
Sun-duk, 79, diz ao estrangeiro
persistir porque injustiças devem
ser punidas. E Yoon Sun-man,
numa última frase, se vira e acrescenta: ""Eu não posso morrer antes de ouvir desculpas".
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