São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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TURISTA OCIDENTAL

Treino do Brasil tem berro, "bocha" e festejo que pode ser o do penta

Ensaio geral

MÁRIO MAGALHÃES
ENVIADO ESPECIAL A YOKOHAMA

Quando o treino da seleção brasileira acabou ontem às 17h42 (5h42 pelo horário de Brasília) no parque Mitsuzawa, em Yokohama, o técnico Luiz Felipe Scolari não acompanhou os jogadores que seguiam para uma sessão de alongamento de músculos antes de tomar banho, dar entrevistas a mais de 500 jornalistas de todo o mundo e voltar para o hotel.
Scolari, o auxiliar Flávio Teixeira e o preparador de goleiros Carlos Pracidelli ficaram perto do mesmo gol onde antes o time ensaiara jogadas de ataque e cobranças de escanteios, faltas e pênaltis. Disputaram então quatro partidas de uma inusitada versão futebolística do jogo de bocha.
""Ganhei!", gritou Teixeira, dando gargalhadas, ao fim de uma partida. ""Não ganhou! Tá empate!", respondeu, mais alto, Scolari.
Ele caminhou com Pracidelli, o Carlão, para checar a posição de uma bola quase em cima da linha do gol. Pediu a um segurança da delegação para servir de árbitro.
Teixeira prosseguiu, rindo e recusando a vitória do amigo: ""Ganhou p... nenhuma!". Em três rodadas, uma vitória para cada um. Na quarta, o treinador desempatou. Ergueu os braços e sacudiu-os, num simulacro do que fará amanhã se o Brasil conquistar pela quinta vez o título mundial de futebol. E provocou: ""Querem outra? Agora vamos fazer com o pé esquerdo".
Foi quando viu do outro lado do campo os goleiros treinando defesas, em vez de se alongar com os jogadores de linha. Berrou: ""Estou esperando para ir embora! Vamos! Terminou! Vou contar até três: um, dois, três! Nós aqui [comissão técnica" não vamos falar com ninguém [com os repórteres". Isso é com vocês".
Os goleiros pararam. Dida e Rogério ainda deram umas voltas ao redor do gramado.
A bocha é um esporte popular no Rio Grande do Sul, Estado de origem de Scolari e Teixeira, cujo apelido é Murtosa. Foi introduzida provavelmente por imigrantes italianos. Também é praticada em outros lugares do Brasil.
Consiste em lançar com as mãos uma bola -geralmente de madeira- no sentido de outra menor, atirada antes, chamada bolim. Numa sucessão de arremessos, vence quem mais se aproxima do bolim. Vale usar a bola para empurrar a do outro.
O que Scolari e os colegas fizeram após o último treinamento a valer antes da decisão contra a Alemanha foi transformar a linha do gol em bolim. Chutavam de fora da área, para a bola parar sobre a linha.
Hoje haverá apenas o reconhecimento do estádio de Yokohama, o da final. Provavelmente com um bate-bola. O último treino com preocupações de aparar arestas foi ontem.
E, a considerar o que se viu no ensaio geral, as preocupações se concentram em como o melhor ataque da Copa do Mundo, o brasileiro, pode superar a melhor defesa, a alemã.
Os jogadores entraram em campo pouco depois das 16h. Aqueceram intercalando exercícios e brincando de bobinho -um ou dois atletas ficam no meio de uma roda tentando ""roubar" a bola dos demais.
A atriz Fernanda Montenegro já disse que o auge do desempenho de um ator ocorre nos ensaios, e não nas apresentações ao público. Pois é no bobinho, não numa partida, que jogadores de excelência conseguem exibir o repertório quase circense de domínio da bola.
Com meias azuis, calção branco e jaqueta amarela, Scolari aproveitou o aquecimento da equipe para marcar com cones laranjas o posicionamento padrão dos jogadores da Alemanha.
Chamou o time para explicar como os alemães atuam: pelos seus cones, quatro defensores em linha, um meia defensivo, três meias e dois atacantes.
Dispensou os reservas, que foram treinar com Flávio Teixeira. Tirou os cones. Distribuiu os titulares -menos o goleiro Marcos- para atacar o gol alemão ficcional, defendido por Dida. Passou a ensinar uma jogada pela direita, iniciada por Lúcio.
Como um encenador, orientou, sempre com pulmões a pleno, mas sem a irritação de outros dias: ""Vem, Kleberson, vem!". ""Vem buscar, Ronaldo!" ""Kleberson, passe errado, não!" Para Gilberto Silva, porque Ronaldo não estava aberto na esquerda: ""Pára, pára, pára!". ""Vai pra lá, Rivaldo!" Para Lúcio, por passar para Kleberson, e não para Cafu: ""Não, não, não!". Para alguém não identificado: ""Não, meu filho!".
Ao repetir a variante pela esquerda: ""Joga lá, faz 1-2 [tabela de dois atacantes sobre um defensor"". ""Ei, Ronaldinho, cuidado para não entrar na mesma linha do Ronaldo!"
Nos escanteios -apenas de ataque-, insistiu para as bolas serem cruzadas no primeiro pau, a trave mais próxima do cobrador. Rivaldo pela direita, Ronaldinho pela esquerda. Bola mais alta, teme o treinador, fica fácil para o goleiro Oliver Kahn. A cada boa cobrança do pernambucano Rivaldo, o paulista Cafu o incentivava: ""Boa, Paraíba!".
Nos pênaltis, Scolari chamou todos, inclusive os reservas, para chutar. Exceção: os goleiros. Cinegrafistas alemães gravaram. O técnico já expressou o temor de que as imagens acabem nas mãos da seleção oponente de amanhã, que saberia como os brasileiros preferem arrematar.
Depois dos pênaltis, Scolari dedicou-se só aos quatro erres: Rivaldo, Ronaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos. Orientou-os na batida de faltas. Ficou na barreira. Até encerrar o ensaio e vencer a disputa de bocha com os pés.


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