São Paulo, sábado, 29 de junho de 2002

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MOTOR

Que chato!

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE
EDITOR-ADJUNTO DE ESPORTE

Graças à Ferrari temos agora o que comemorar. Barrichello venceu seu terceiro, ôps, segundo GP no último domingo e caminha a passos largos para o vice-campeonato. Ele e o colega alemão vão dominar a temporada. Não vai ter para ninguém. Bacana, né? Voltamos a ser, após muitos anos, o país do futebol e da F-1. Ôps, que F-1?
A F-1 que a Ferrari inventou, aquela que só ela ganha, aquela que só Schumacher ganha. Aquela que Barrichello só ganha quando é conveniente. Acreditar que o sucesso do brasileiro em Nurburgring foi fruto exclusivo do trabalho que fez na pista é muita ingenuidade -estou sendo educado.
Barrichello largou muito bem, Schumacher cometeu um raro erro, os pits foram corretos. Só que o que decidiu a corrida não foi o arrojo de um ou a impotência de outro. Basta rever a corrida para perceber que seu último terço se resumiu a um passeio ciclístico dos ferraristas. O que decidiu o GP da Europa foram os dois rádios que Ross Brawn carrega na cintura e seu apertar de botões.
(Curioso, há alguns anos quem apertava os botões, de acordo com uma brincadeira que se fazia entre jornalistas, era Ecclestone. E não é que chegamos a isso?)
Alguns comemoram a "vitória do esporte", o "reconhecimento ao excepcional trabalho de Barrichello", a "atitude da Ferrari". Pois acho que vi outra corrida, semelhante a que se deu na Áustria, onde o tal excepcional trabalho do segundo piloto foi válido por apenas dois terços da prova ou até o ponto de ser submetido à conveniência do time. A única diferença é que na Alemanha os diretores ferraristas resolveram por bem mimar Barrichello, para deixar o rapaz feliz e para tornar menos incômoda a vexatória audiência da escuderia em Paris.
Não se discute aqui o mérito de Barrichello, mas sim sua anulação, caso de Zeltweg, e sua legitimação, caso de Nurburgring. Barrichello não venceu simplesmente essas duas corridas. Foi impedido de vencer na primeira, foi permitido vencer na segunda. É isso que se deseja de um piloto, de uma escuderia, da própria F-1?
Acompanhar corridas agora é um exercício de expectativa, não mais provocado pela ousadia das ultrapassagens (algo muito antigo) ou pela matemática de voltas rápidas e estratégia de paradas (algo mais contemporâneo). Agora ficamos esperando pela decisão da Ferrari, tentando adivinhar pelo movimento dos dedos de Ross Brawn, pelo tempo de volta de Schumacher e Barrichello, pela atitude dos dois na pista, quem será o próximo vencedor.
O que virá a seguir? Vão publicar antes da largada quem pode vencer em determinada corrida? Votação pela internet?
Lamento por Schumacher, um piloto fora de série para sempre estigmatizado, por Barrichello, um excelente piloto idem, e pela F-1, que não tem como evitar, a curto prazo, que a categoria se transforme em um circo.
Aprendi com um bom colega, ao escrever meu primeiro texto sobre automobilismo, que a expressão "circo da F-1" era absurda, pois se tratava de um esporte e não apenas de mero espetáculo. Acreditei nisso até domingo passado. Levara a atitude ferrarista em Zeltweg como um jogo de equipe extremo, equivocado. Depois de Nurburgring, porém, não tenho mais essa certeza.
Sim, a F-1 está chata. Mais chata do que jamais esteve.

Ferrari 1
Entre tantas bobagens, a FIA pelo menos teve a prudência de não dinamitar o regulamento da categoria. Tirar a vitória de Schumacher e dá-la para Barrichello seria um absurdo jurídico e esportivo. O tom condenatório da sentença também foi adequado, mas, como já analisara a coluna, tardio. Se era para falar mal da Ferrari de modo oficial, isso deveria ter sido feito logo depois da corrida, não meses depois.

Ferrari 2
A Fiat negociou nesta semana parte de sua dívida transferindo um terço das ações da Ferrari para um banco italiano. A instituição tem um ano para repassar as ações para o mercado e dividir o lucro, dado como certo, com a montadora. Ou seja, na próxima temporada, a escuderia italiana terá ainda mais dinheiro para empurrar Schumacher, Barrichello e o clubinho. Se ninguém duvida mais do pentacampeonato do alemão, já é possível desconfiar do hexa.

E-mail mariante@folhasp.com.br



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