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São Paulo, sexta-feira, 29 de agosto de 2003

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FUTEBOL

Brito, o homem do apito

JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA

Prriiii !
Adoro o som desse apito novo. É mais agudo que o velho. O centroavante está caído no chão, mas aposto que não foi nada. O cara se contorce à beça, só para ver se eu dou vermelho pro zagueiro. Já o zagueiro aponta a bola e diz que nem tocou no centroavante. É sempre igual. Vou andar bem devagar até os dois, tipo o Paulo César de Oliveira. Aquele gosta de chamar a atenção. Mas tá certo. Este momento é nosso mesmo. A gente é que é a estrela quando apita uma falta. Acho até que vou dar um amarelo pro zagueiro. A falta não foi para tanto, mas esse zagueiro é mesmo um folgado. No outro lance, disse que eu precisava de óculos. Será que eu preciso mesmo? Agora ele vai ver. Amarelo! Levantei o braço bem rápido, tipo o Armando Marques. E fiz cara de mau, tipo o Godoy. Agora é só anotar o número do zagueiro e... Caramba!, o cara já tinha amarelo. Se tem coisa que eu odeio é expulsar jogador do time da casa, mas agora não tem jeito. Vermelho! O cara vem protestar, mas eu grito com ele, tipo o Gaciba. A gente sempre tem que parecer que tem certeza. Que tem autoridade. O Gaciba erra com a maior autoridade. Um dia ele ainda vai ser juiz de televisão. Isso é que é bom. Um dia eu queria ser que nem o Arnaldo César Coelho. Esse tem tanta autoridade que nem depois do replay diz que errou. Mas aí vou ter que pintar o cabelo, que eu já tô com uns fios brancos. Essa Segundona é fogo! Ops, a bola quase me acertou. Quem sabe no ano que vem eu subo pra primeira? Pelo menos eu capricho nos meus relatórios. E no uniforme. Minha mãe sempre deixa eles bem passados. Preciso mandar um presente pro Armando Marques. Que dia mesmo ele faz aniversário? Opa, o meia do time visitante fez uma falta por trás.
Priiii!
Pronto, dei um cartão vermelho e agora está tudo igual de novo. Se um time fica com dez ganha fácil. A gente tem que deixar as coisas equilibradas. Tem regra escrita e regra não escrita. A torcida gostou. O jogo começou de novo. E esse lance, foi falta ou não? Droga, eu estava distraído! No que será que eu estava pensando? E agora, o que eu faço? Dou amarelo pro atacante ou marco pênalti? E se esse lance pode passar na tevê? Os comentaristas vão pegar no meu pé. Ser comentarista é moleza. Com câmera lenta, ninguém erra. Queria ver era eles aqui. Vou dar pênalti.
Priiii!
Olha só como a torcida gostou. Parece até que eu marquei um gol. Vamos ver a cobrança. Putz, o goleiro defendeu. Ele se adiantou um pouco, mas foi só um pouco. E não vou mandar cobrar de novo, não. Gosto de empate. De empate e de anunciar o tempo extra. Eu estico bem os dedos em cima do short. Vi um italiano fazendo isso uma vez. Vou dar só um minuto. Esse minuto é o que demora mais. Pronto, acabou. Nenhum repórter vem me entrevistar. Paciência. O que será que a minha mãe preparou pro jantar? Hoje até que ela não foi muito xingada.

Nogueira de lei
Para quem gosta de livros de crônicas esportivas, saiu o novo livro de Armando Nogueira, "A ginga e o jogo" (R$ 28,90, 200 páginas). Armando escreve desde a Copa de 50. Poucos, ou nenhum, viram tantos craques, times, jogos e decisões como ele. Seu estilo é um tanto romântico, quase poético. Armando Nogueira pertence à dinastia de Mário Filho e Nelson Rodrigues, à dinastia dos que vêem o futebol através das lentes da emoção. É o tipo de cronista para quem vale menos o gol que o drible, e menos o drible que o gesto.

Hai-cai
E segue aí um pio hai-cai sobre zagueiros, desta vez enviado pelo leitor Dirceu da Silva: "O beque evangélico/quebra pernas/com ar angélico".

E-mail torero@uol.com.br


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