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FUTEBOL
A vida não vale nada
MÁRIO MAGALHÃES
COLUNISTA DA FOLHA
Legendário manager, técnico e jogador, o escocês Bill
Shankly um dia filosofou, como
ontem lembrou Juca Kfouri no
"Lance!": "Algumas pessoas acreditam que o futebol é uma questão de vida e morte. Estou muito
desapontado com essa atitude.
Posso lhe assegurar que é muito,
muito mais importante que isso".
Na noite de quarta-feira, o futebol foi morte para Serginho. No
14º minuto do segundo tempo,
sem ter se chocado com ninguém,
o zagueiro desabou sobre as pernas do são-paulino Grafite. O médico do São Caetano fez respiração boca a boca. O do São Paulo,
massagem cardíaca.
No gramado do Morumbi, os
jogadores pularam, choraram,
clamaram por socorro. Quando o
zagueiro se foi na ambulância,
abraçaram-se todos para rezar. O
estádio inteiro gritou: "Serginho!
Serginho! Serginho!".
A agonia se deu em um palco no
qual não se supunha que viesse a
ocorrer, a despeito de episódios
recentes. A morte, pensamos, é
para velhos, e não crianças e jovens. Para doentes, e não para
quem parece gente sã. Para fracos, e não superatletas.
Simulacro da guerra, na qual a
morte é do jogo, o futebol celebra
a vida. Pontuamos a memória
com gols e frangos, triunfos e fracassos. No "mata-mata", quem
morre renasce amanhã. "Gosto
da vida, não quero morrer", disse
Parreira antes da semifinal da
Copa-94. A equipe que morre na
praia tem a eternidade para dar a
volta por cima. A "morte súbita"
não representa o fim.
A morte de Serginho não é metáfora. Uma das heranças que sua
tragédia pode deixar é uma revolução nos primeiros socorros nos
estádios. Recomenda-se serenidade. O jornalismo esportivo mal
domina rudimentos da ortopedia. Imagine de cardiologia e
neurologia. Lições de medicina
são para médicos. Jornalistas não
são juízes, portanto não julgam.
Essencialmente, informam.
Sobram perguntas, que começam
a ser respondidas em boas reportagens.
Divulgou-se que, consciente de
problemas no coração, Serginho
teria firmado um termo se responsabilizando pelo que lhe
acontecesse. Um médico não deveria vetar, conforme o diagnóstico? Seria o caso? Washington, artilheiro e cardiopata, não assinou
um documento assim?
O que move um atleta a arriscar
a vida? Desconhecimento do risco? Foi o que houve com Serginho? Não somos nós que festejamos a paixão do centroavante do
Atlético-PR pelo futebol? E o que
leva um cartola a negar as alterações cardíacas relatadas por amigos do zagueiro? Uma canção cubana diz: "A vida não vale nada".
A vida de Serginho teve fim em
noite de eclipse da lua. Ele completara 30 anos na semana passada. Era um bom jogador, protagonista da histórica ascensão do
São Caetano. Formava na estirpe
de lutadores que teve em Rondinelli, o Deus da Raça, um dos ícones. Para sempre, quando surgir
um zagueirão valente que vá na
bola como num prato de comida,
haveremos de recordar: Serginho
era assim.
Vida breve
O que importa se o Atlético-PR
dá sinais de fadiga de material?
O que importa se o Santos, líder, dá pinta de cansaço? O que
importam os frangos do goleiro
do Paysandu? O que importa a
determinação dos jogadores do
Palmeiras? O que importa a vocação do Botafogo para entregar no final? O que importa se o
São Paulo estava melhor que o
São Caetano? O que importa o
que vai dar a conclusão do jogo? O que importa se o Nacional embolou? O que importa se
o Alex dançou? O que importa a
grandeza do Zico ao proclamar
Ronaldo? O que importa sua
autoridade para desancar os
come-dorme do Flamengo? O
que importa o show do Roger?
O que importa se o Guarani luta com bravura, e a esperança é
a última que... morre?
E-mail
mario.magalhaes@uol.com.br
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