São Paulo, quinta-feira, 30 de maio de 2002

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SONINHA

Jogar futebol ou viver, da melhor maneira


O objetivo, a não ser para os franco-azarões, é vencer. O que espera os perdedores é a volta em um vôo silencioso, frustrado


Sabe quando uma palavra conhecida soa estranha, como se estivesse sendo ouvida pela primeira vez? Banana, sapato, bola, qualquer uma. Você a repete algumas vezes e percebe cada sílaba como novidade, puro som e ritmo, quase uma palavra estrangeira. Logo o estranhamento se vai, e você não consegue mais recuperar aquela impressão.
Às vezes acontece a mesma coisa com uma idéia. Óbvia, antiga, que de repente "bate" como nunca antes. Tive essa sensação ontem com uma constatação besta: só uma seleção vai ganhar a Copa. Entre todas as apostas, todas as projeções, só uma vai se confirmar. Entre todos os grupos, as bandeiras, só um time vai vencer.
França e Argentina são apontadas há tempos como as favoritas. Pois bem, no mínimo uma delas irá fracassar. No mínimo! Digamos que a Argentina seja a segunda do seu grupo, atrás da Inglaterra, não é um absurdo, e a França lidere o seu. Isso levaria o cruzamento mais espetacular da Copa a acontecer nas oitavas-de-final, no dia 15 de junho! Imagine assistir a esse jogo sabendo que nesse dia Copa estará encerrada para um dos times, um dos dois países...
A glória de 2002 será só da França, ou só da Argentina, do Brasil, da Inglaterra, de Portugal, da Eslovênia, sabe deus de quem será. Os outros times todos, a Arábia, a Irlanda, a Tunísia, a Itália, o Brasil, a Espanha, todos vão voltar para casa como chegaram: sem título, sem o acréscimo espetacular ao seu currículo. Os sonhos, o planejamento, o esforço de 31 seleções estão fadados ao fracasso.
Não quero ser cruel com a palavra "fracasso". Uma boa campanha é um resultado digno! Mas o objetivo, a não ser para os francos azarões, é vencer. E por melhor que tenha sido o trabalho, o que espera os perdedores é uma passagem de volta em um vôo silencioso, frustrado, e algumas lembranças de um ou outro bom momento até a última derrota. Fazer o quê? Isso é esporte.
Isso é a vida. Empenhamos esforços incríveis em dezenas de atividades em que estamos fadados ao fracasso, ao reinício sem glórias. Sem falar que todo esforço cotidiano pode parecer inútil: pra que comer, se logo terei fome de novo? Pra que acordar, e dormir, acordar, e dormir, e um dia morrer?
Não tem "pra que" . Mas tem "como"... Jogar futebol ou viver, da melhor maneira possível. Buscando felicidade para si mesmo, trazendo felicidade para os outros, sabendo que um dia você vai perder. É a vida.

soninha.folha@uol.com.br



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