|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Estatuto abre "caixa-preta" e escancara futebol frágil
Com publicação exigida por lei, borderôs põem luz e névoa sobre as contabilidades das partidas
FERNANDO MELLO
DO PAINEL FC
MARCELO SAKATE
DA REPORTAGEM LOCAL
O Estatuto do Torcedor tirou da
escuridão o documento que sempre foi tratado como segredo de
Estado no futebol brasileiro. Desde o último dia 16, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva
sancionou a lei, os clubes são
obrigados a revelar o balanço das
receitas geradas numa partida.
Os boletins financeiros dos jogos, mais conhecidos como borderôs, esmiúçam o curso do dinheiro desde que ele sai do bolso
do torcedor até chegar aos cofres
dos clubes, da CBF, das federações e do governo federal.
A Folha teve acesso a borderôs
de partidas realizadas em São
Paulo, Campinas, Belo Horizonte,
Florianópolis e Caxias do Sul,
num total de oito documentos.
Nem todos são de jogos da décima rodada da Série A do Brasileiro, a primeira em que o estatuto
efetivamente saiu do papel.
Contrariando o que determina
a lei, a CBF não havia disponibilizado os boletins em seu site até o
fechamento desta edição. A entidade alega que não havia recebido
todos os documentos, enviados
pelas federações via correio.
Trazidos à luz por força de lei, os
documentos demonstram que a
"caixa-preta" do futebol é, na
maioria das vezes, feita às pressas,
à tinta, sem qualquer preocupação com uniformização de itens
para que possa ser minimamente
inteligível ao torcedor. Visualizados lado a lado, os borderôs mais
confundem do que explicam.
A partir da observação dos boletins financeiros fica claro o porquê de tantas acusações de irregularidades, desde evasão de renda a
desvio de dinheiro. Feita de forma
manual, a contagem do dinheiro e
dos tíquetes vendidos fica a cargo
de apenas duas pessoas. A fragilidade do sistema é tamanha que a
distribuição do dinheiro e a confecção dos boletins, feitas durante
os jogos, são realizadas em salas
secretas, para evitar roubos.
Elaborados sempre por um representante da federação local e
por um funcionário do clube
mandante, os borderôs discriminam a carga de ingressos colocados à venda, quantos foram comercializados e quanto dinheiro
foi arrecadado. No item receitas,
os documentos são esclarecedores. Mas a clareza pára por aí.
Um exemplo é a despesa referente a "Quadro Móvel". O Corinthians, por exemplo, inclui nesse
item bilheteiros, fiscais da Federação Paulista (um por catraca),
orientadores de público, eletricista, copeiros, narrador do alto-falante, enfim, todos os cerca de 200
funcionários que participam da
logística de cada jogo. Na partida
de sábado contra o Juventude,
por exemplo, o time pagou R$
9.385 ao "Quadro Móvel".
O São Paulo, por seu lado, tem
uma maneira diferente de contabilizar os gastos com pessoal.
Contra o Paraná, em 18 de maio,
pagou R$ 9.550 só aos bilheteiros.
De "Quadro Móvel", R$ 1.029.
Em Caxias, o Juventude pagou
só R$ 2.176 para "Fiscalização de
arrecadação" na partida contra o
Santos. Nada se diz em relação a
outros funcionários.
A comparação torna-se impossível, então, quando o torcedor se
depara com o borderô de Guarani
x Fortaleza. O time de Campinas
gastou R$ 680 com "Bilheteiros" e
R$ 810 com "Porteiros". Nenhum
centavo com "Quadro Móvel".
Em compensação, despendeu nada menos que R$ 500 com "Som".
Outro ponto de discórdia é em
relação ao pagamento da arbitragem, descontada do borderô, mas
que deveria ser bancada pela CBF.
A observação dos dados mostra
que o valor negativo no final das
contas muda de um clube para
outro -nos documentos obtidos
pela Folha, foi de R$ 22.855 a R$
74.993- e que renda abaixo de
R$ 30 mil (cerca de 2.500 pagantes) é sinônimo de prejuízo. Assim, para obter receita sem depender da verba da TV e de parceiros, vários clubes têm que
atrair ao menos 5.000 torcedores
ao campo -um luxo atualmente.
Texto Anterior: Painel FC Próximo Texto: Saiba mais: Elaborado à mão, borderô nasce em sala secreta Índice
|