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São Paulo, sexta-feira, 30 de maio de 2003

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Estatuto abre "caixa-preta" e escancara futebol frágil

Com publicação exigida por lei, borderôs põem luz e névoa sobre as contabilidades das partidas

FERNANDO MELLO
DO PAINEL FC
MARCELO SAKATE
DA REPORTAGEM LOCAL

O Estatuto do Torcedor tirou da escuridão o documento que sempre foi tratado como segredo de Estado no futebol brasileiro. Desde o último dia 16, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei, os clubes são obrigados a revelar o balanço das receitas geradas numa partida.
Os boletins financeiros dos jogos, mais conhecidos como borderôs, esmiúçam o curso do dinheiro desde que ele sai do bolso do torcedor até chegar aos cofres dos clubes, da CBF, das federações e do governo federal.
A Folha teve acesso a borderôs de partidas realizadas em São Paulo, Campinas, Belo Horizonte, Florianópolis e Caxias do Sul, num total de oito documentos.
Nem todos são de jogos da décima rodada da Série A do Brasileiro, a primeira em que o estatuto efetivamente saiu do papel.
Contrariando o que determina a lei, a CBF não havia disponibilizado os boletins em seu site até o fechamento desta edição. A entidade alega que não havia recebido todos os documentos, enviados pelas federações via correio.
Trazidos à luz por força de lei, os documentos demonstram que a "caixa-preta" do futebol é, na maioria das vezes, feita às pressas, à tinta, sem qualquer preocupação com uniformização de itens para que possa ser minimamente inteligível ao torcedor. Visualizados lado a lado, os borderôs mais confundem do que explicam.
A partir da observação dos boletins financeiros fica claro o porquê de tantas acusações de irregularidades, desde evasão de renda a desvio de dinheiro. Feita de forma manual, a contagem do dinheiro e dos tíquetes vendidos fica a cargo de apenas duas pessoas. A fragilidade do sistema é tamanha que a distribuição do dinheiro e a confecção dos boletins, feitas durante os jogos, são realizadas em salas secretas, para evitar roubos.
Elaborados sempre por um representante da federação local e por um funcionário do clube mandante, os borderôs discriminam a carga de ingressos colocados à venda, quantos foram comercializados e quanto dinheiro foi arrecadado. No item receitas, os documentos são esclarecedores. Mas a clareza pára por aí.
Um exemplo é a despesa referente a "Quadro Móvel". O Corinthians, por exemplo, inclui nesse item bilheteiros, fiscais da Federação Paulista (um por catraca), orientadores de público, eletricista, copeiros, narrador do alto-falante, enfim, todos os cerca de 200 funcionários que participam da logística de cada jogo. Na partida de sábado contra o Juventude, por exemplo, o time pagou R$ 9.385 ao "Quadro Móvel".
O São Paulo, por seu lado, tem uma maneira diferente de contabilizar os gastos com pessoal. Contra o Paraná, em 18 de maio, pagou R$ 9.550 só aos bilheteiros. De "Quadro Móvel", R$ 1.029.
Em Caxias, o Juventude pagou só R$ 2.176 para "Fiscalização de arrecadação" na partida contra o Santos. Nada se diz em relação a outros funcionários.
A comparação torna-se impossível, então, quando o torcedor se depara com o borderô de Guarani x Fortaleza. O time de Campinas gastou R$ 680 com "Bilheteiros" e R$ 810 com "Porteiros". Nenhum centavo com "Quadro Móvel". Em compensação, despendeu nada menos que R$ 500 com "Som".
Outro ponto de discórdia é em relação ao pagamento da arbitragem, descontada do borderô, mas que deveria ser bancada pela CBF.
A observação dos dados mostra que o valor negativo no final das contas muda de um clube para outro -nos documentos obtidos pela Folha, foi de R$ 22.855 a R$ 74.993- e que renda abaixo de R$ 30 mil (cerca de 2.500 pagantes) é sinônimo de prejuízo. Assim, para obter receita sem depender da verba da TV e de parceiros, vários clubes têm que atrair ao menos 5.000 torcedores ao campo -um luxo atualmente.


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