São Paulo, domingo, 30 de junho de 2002

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KENNETH MAXWELL

As duas batalhas do Brasil

Obrigado, Senhor, pela Univision, o canal de TV em língua espanhola. Na cidade em que vivo, em Connecticut, posso captar o sinal da transmissora local da Univision, baseada em Hartford, a capital do Estado. Hartford tem uma enorme população hispânica, um prefeito hispânico e, glória das glórias, um grande contingente de amantes do futebol exigindo acesso a uma cobertura da Copa.
A Univision transmite as partidas pelo antiquado sistema de emissões de ondas. Qualquer aparelho de TV com antena pode captar o sinal. Isso é chamado hoje em dia de "TV gratuita". Assim, para assistir ao Mundial pela Univision, não é preciso fazer a assinatura de um canal pago.
Do alto de minha montanha, posso então ver, sem qualquer tipo de interferência e ao vivo da Ásia, os jogos da Copa. E com os comentários em espanhol, inteiramente livres da irritante transcrição das ações com a estranha linguagem do futebol americano.
Para seu mérito, o "New York Times" enviou seu melhor repórter esportivo, George Vecsey, para a Copa, e a cobertura merece um Pulitzer, se houvesse uma categoria para comentário esportivo. Ele é dono de um dos mais brilhantes textos que já vi no jornal.
Para os que acompanham as páginas esportivas do "NYT", o Brasil otimista está de volta e fazendo barulho. O melhor título Vecsey nos últimos dias foi "O Brasil ainda é o centro do universo". Mas, exatamente na mesma edição, o caderno de economia anunciava "A montanha-russa do mercado brasileiro", acompanhada de uma foto de Lula, os braços dele estendidos como se ele estivesse prestes a estrangular investidores de Wall Street.
Minha esperança era que as notícias esportivas pudessem conter o cenário sombrio e maldito da cobertura econômica. Entretanto, quando sugeri isso para um antigo editorialista do "NYT", ele me disse que o jornal é o único dos EUA em que as páginas de finanças têm mais leitores que a seção de esportes.
E não havia dúvidas de que as duas imagens estavam ligadas. No atual ambiente de más notícias, apenas o poder de uma vitória do Brasil na Copa do Mundo pode forçar a inclusão de boas notícias sobre o país nos principais meios de comunicação.
De certa forma, isso tem acontecido. Cenas de torcedoras brasileiras celebrando apareceram nos principais programas de TV matutinos do país, e nenhum jornalista norte-americano ou europeu abrirá mão da oportunidade de viajar para o Rio a fim de entrevistar uma carioca escandalosamente vestida em uma praia.
Mas um aspecto contra essas imagens alegres é a rotineira reciclagem que as notícias do Brasil recebem na mídia americana: fatos há muito esquecidos nas gavetas, trazidos à tona e servidos como absolutamente "quentes".
A cobertura da morte de Tim Lopes é um perfeito e trágico exemplo. A história foi publicada no "NYT" na quinta-feira, 25 dias após o desaparecimento do jornalista. Para o leitor eventual, há a impressão de que o colapso da lei e da ordem no Rio começou apenas ontem, quando os mercados atingiram o fundo do poço.
Nada disso é novo. Imagens conflitantes têm estado ao lado do Brasil desde o início. Em 1502, Américo Vespúcio fez uma vivaz e lírica descrição do Brasil, e sua população pré-Européia serviu de inspiração para a "Utopia", de Thomas Moore, escrita em 1516.
Mas havia imagens menos positivas. Em 1586, o padre Anchieta observou que os brasileiros tinham tendência à indolência e à melancolia e gastavam boa parte do tempo em "festas, cantando e procurando diversão". Não há duvidas de que essa visão desencorajou o Vaticano. Foram necessários 502 anos para que um papa encontrasse uma brasileira (na verdade italiana) adequada para ser santificada.
Por trás da batalha da Copa nesta semana, haverá uma extensa e longa batalha pela imagem do Brasil, que assumiu uma nova e urgente relevância. Se os quatro "erres", Ronaldo, Rivaldo, Ronaldinho e Roberto Carlos, trouxerem a vitória, talvez haja algum equilíbrio.
Não fiquei surpreso, por cortesia da Univision, ao ver uma bandeira mexicana entre os torcedores brasileiros durante a celebração da vitória brasileira sobre a Turquia. Uma coisa é certa: hispânicos nos EUA que assistem à Univision estarão torcendo pelo Brasil na final. Pena que não haja muitos deles em Wall Street.


Kenneth Maxwell, historiador inglês, é brasilianista e trabalha no Council on Foreign Relations, em Nova York



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