São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
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FUTEBOL
Após 30 anos, praça memorial da conquista no México vira banheiro público, e hotel apaga autógrafos
Guadalajara "esquece" símbolos do tri

FÁBIO VICTOR
enviado especial a Guadalajara

Após quase 30 anos, Guadalajara já não trata a memória do tricampeonato brasileiro de 1970 com o cuidado correspondente à idolatria que seus habitantes ainda mantêm pela seleção.
"Casa" do Brasil no México, sede da seleção nas Copas de 70 e 86, a cidade desprezou os dois mais significativos vestígios da primeira passagem brasileira.
A praça Brasil, mais imponente homenagem oficial de Guadalajara à seleção tricampeã em 70 e um dos principais cartões-postais da cidade, virou banheiro público e pousada de indigentes.
Outra relíquia da conquista, uma parede com autógrafos de todos os jogadores tricampeões no hotel onde a seleção ficou em 70, já não existe mais -foi abaixo numa reforma feita há oito anos.
No caso da praça Brasil, um vistoso jardim em frente ao estádio Jalisco, o esforço da prefeitura em embelezar o local para a Copa das Confederações não foi suficiente para esconder o problema.
Quem passa em frente à praça se impressiona com a beleza dos roseirais, canteiros de flores coloridas, árvores bem podadas em forma de arcos e com a estátua em bronze de cerca de cinco metros de altura -que reproduz três jogadores (entre eles um goleiro) disputando um bola.
Por sua beleza, a praça virou objeto de superstição das noivas da cidade: é para lá que elas vão, devidamente vestidas, após seus casamentos, para tirar fotos.
Uma placa -que estava totalmente pichada na véspera da abertura do torneio, mas depois foi limpa-, traz os dizeres: "Homenagem da cidade ao povo-irmão por motivo do IX Campeonato Mundial de Futebol. Guadalajara, nov, 3, 1970".
Até aí, tudo muito bonito. Basta fazer uma visita ao interior do jardim, no entanto, para descobrir o outro lado.
Cercado por uns arbustos, e tendo uma pequena cerca como porta, há um espaço que foi transformado em banheiro público. Dois buracos cavados no chão servem de vaso, dando ao lugar cheiro e aspecto insuportáveis.
A partir do meio-dia, quando termina o expediente dos jardineiros da prefeitura, não há qualquer funcionário cuidando ou vigiando o local. Assim, a praça também serve de abrigo para os sem-teto. Próximo à estátua, embaixo de umas árvores, eles fazem fogueiras para cozinhar e abandonam objetos pessoais.
Minutos após o jogo Brasil 4 x 0 Alemanha, no sábado, um mendigo dormia no chão, à sombra da estátua, com uma garrafa vazia de aguardente a seu lado.
O diretor de parques e jardins da Prefeitura de Guadalajara, Sergio Nuño Cuevas, transferiu parte da responsabilidade à polícia, mas garantiu que tomaria as providências para mudar a situação.
"Já fechamos várias vezes os buracos, mas tornam a cavá-los. É responsabilidade da polícia retirar essas pessoas, não é nossa jurisdição", afirmou à Folha.
"Isso decorre de um problema social em nível mundial. Obrigado por ter me alertado. Farei uma petição oficial à polícia e asseguro que em dois dias o problema será solucionado", completou Cuevas.
Igualmente atração turística da cidade durante anos, o hotel Suites del Caribe mudou de nome, de direção e de fachada.
O local da concentração brasileira em 70 agora chama-se Guadalajara Plaza e ganhou, há oito anos, um prédio em frente aos quartos que abrigaram a equipe brasileira.
Na reforma, por descuido dos operários, segundo a direção atual, a parede autografada desmoronou. Hoje, a suíte 154, onde estava gravada a lembrança, é mais uma entre as 144 do hotel.


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