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Por que só falamos de futebol
JUCA KFOURI
Colunista da Folha
Primeiro foi o José Trajano, com
a paixão e a generosidade que o
caracterizam.
Depois, o José Roberto Torero,
sempre criativo e original.
Ambos preocupados em chamar
a atenção para os brasileiros que
estão no Pan, os primos pobres do
esporte nacional, quase monopolizado pelos jogadores de futebol.
Talvez nem seja muito justo em
relação a esta Folha, que tem belas colunas de basquete, vôlei, esportes radicais e até de boxe e automobilismo, que, cá entre nós,
nem esporte são.
Mas é verdade que todos nós damos muito menos importância a
nossos atletas olímpicos do que
aos boleiros. Conheço bem essa
história -e não é de hoje.
Dezenas de vezes, quando dirigia a revista ""Placar", fui questionado em escolas de jornalismo e
de educação física sobre o pouco
espaço dedicado aos outros esportes. Sempre respondi que os outros
não vendiam. Nem mesmo quando houve a célebre explosão do
vôlei (um Maracanãzinho lotado
equivale a um Maracanã quase
vazio -e nenhuma revista de
qualquer outro esporte jamais
prosperou no Brasil).
Havia reações indignadas até,
como se eu fosse um escravo do lucro, um capitalista sem alma. Então, entre outras coisas, explicava
que não era o dono da revista.
Até que um belo dia, em 1984,
porque também o desorganizado
futebol brasileiro não permitia
que uma revista semanal de sucesso, a Abril resolveu apostar numa publicação mais eclética, e
criamos a ""Placar Todos os Esportes", com equipe de primeira, consultores da melhor qualidade e
acabamento refinado. Era a tentativa de se fazer a famosa, e extremamente bem-sucedida,
""Sports Illustrated" no Brasil.
Após o primeiro número, recebi
um bilhete entusiasmado de Roberto Civita, o dono da Abril. ""Enfim, virei leitor de Placar. Parabéns!". O sinal vermelho havia sido aceso numa semana em que a
velha ""Placar" tinha vendido menos do que 100 mil exemplares,
número mágico.
Pois bem. Quatro ou cinco semanas depois do lançamento da
nova fórmula, Civita me telefona
para fazer novo elogio, e eu, preocupado, o alerto que as vendas
não eram animadoras, que tínhamos vendido apenas 75 mil exemplares na semana anterior. Ouço
dele uma previsão tranquilizadora. ""Estamos trocando de público.
Não vou me assustar se chegar a
cair até uns 35 mil. Depois, vai
reagir, porque o caminho está certo, a revista está ótima."
Pouco tempo depois, já apavorado, encontro o patrão numa solenidade e informo: ""Roberto, estamos quase atingindo seu objetivo. Na semana passada, vendemos 40 mil". Foi o que bastou para, em seguida, ""Placar" voltar a
ser uma revista basicamente de
futebol e resistir ainda mais cinco
anos como semanal.
Enfim, a questão é parecida com
aquele anúncio de biscoitos: o
Brasil é monoesportivo porque a
imprensa só fala de futebol ou a
imprensa só fala de futebol porque o Brasil é monoesportivo?
Tendo a achar que a segunda
hipótese é a correta.
Mas nem a paixão pelo futebol
permitirá que contra a Nova Zelândia (?!) passemos mais 90 minutos tão aborrecidos e irritantes
como aqueles diante da bizarra
equipe dos EUA. E que Luxemburgo perceba que dois armários
não podem jogar juntos e ponha
César no lugar de um deles.
A invencibilidade recente da defesa brasileira só tem duas explicações -e ambas começam com
D: Deus e Dida.
Juca Kfouri escreve aos domingos, às terças
e às sextas-feiras
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