São Paulo, Sexta-feira, 30 de Julho de 1999
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Por que só falamos de futebol

JUCA KFOURI
Colunista da Folha

Primeiro foi o José Trajano, com a paixão e a generosidade que o caracterizam.
Depois, o José Roberto Torero, sempre criativo e original.
Ambos preocupados em chamar a atenção para os brasileiros que estão no Pan, os primos pobres do esporte nacional, quase monopolizado pelos jogadores de futebol.
Talvez nem seja muito justo em relação a esta Folha, que tem belas colunas de basquete, vôlei, esportes radicais e até de boxe e automobilismo, que, cá entre nós, nem esporte são.
Mas é verdade que todos nós damos muito menos importância a nossos atletas olímpicos do que aos boleiros. Conheço bem essa história -e não é de hoje.
Dezenas de vezes, quando dirigia a revista ""Placar", fui questionado em escolas de jornalismo e de educação física sobre o pouco espaço dedicado aos outros esportes. Sempre respondi que os outros não vendiam. Nem mesmo quando houve a célebre explosão do vôlei (um Maracanãzinho lotado equivale a um Maracanã quase vazio -e nenhuma revista de qualquer outro esporte jamais prosperou no Brasil).
Havia reações indignadas até, como se eu fosse um escravo do lucro, um capitalista sem alma. Então, entre outras coisas, explicava que não era o dono da revista.
Até que um belo dia, em 1984, porque também o desorganizado futebol brasileiro não permitia que uma revista semanal de sucesso, a Abril resolveu apostar numa publicação mais eclética, e criamos a ""Placar Todos os Esportes", com equipe de primeira, consultores da melhor qualidade e acabamento refinado. Era a tentativa de se fazer a famosa, e extremamente bem-sucedida, ""Sports Illustrated" no Brasil.
Após o primeiro número, recebi um bilhete entusiasmado de Roberto Civita, o dono da Abril. ""Enfim, virei leitor de Placar. Parabéns!". O sinal vermelho havia sido aceso numa semana em que a velha ""Placar" tinha vendido menos do que 100 mil exemplares, número mágico.
Pois bem. Quatro ou cinco semanas depois do lançamento da nova fórmula, Civita me telefona para fazer novo elogio, e eu, preocupado, o alerto que as vendas não eram animadoras, que tínhamos vendido apenas 75 mil exemplares na semana anterior. Ouço dele uma previsão tranquilizadora. ""Estamos trocando de público. Não vou me assustar se chegar a cair até uns 35 mil. Depois, vai reagir, porque o caminho está certo, a revista está ótima."
Pouco tempo depois, já apavorado, encontro o patrão numa solenidade e informo: ""Roberto, estamos quase atingindo seu objetivo. Na semana passada, vendemos 40 mil". Foi o que bastou para, em seguida, ""Placar" voltar a ser uma revista basicamente de futebol e resistir ainda mais cinco anos como semanal.
Enfim, a questão é parecida com aquele anúncio de biscoitos: o Brasil é monoesportivo porque a imprensa só fala de futebol ou a imprensa só fala de futebol porque o Brasil é monoesportivo?
Tendo a achar que a segunda hipótese é a correta.

Mas nem a paixão pelo futebol permitirá que contra a Nova Zelândia (?!) passemos mais 90 minutos tão aborrecidos e irritantes como aqueles diante da bizarra equipe dos EUA. E que Luxemburgo perceba que dois armários não podem jogar juntos e ponha César no lugar de um deles.
A invencibilidade recente da defesa brasileira só tem duas explicações -e ambas começam com D: Deus e Dida.


Juca Kfouri escreve aos domingos, às terças e às sextas-feiras

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