São Paulo, segunda-feira, 30 de agosto de 2004

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Intruso burla megaesquema e arruína maratona de brasileiro

Irlandês invade percurso, ataca líder e muda história da prova mais tradicion al dos Jogos

ADALBERTO LEISTER FILHO
FÁBIO SEIXAS
ENVIADOS ESPECIAIS A ATENAS

Os organizadores dos Jogos de Atenas-2004 gastaram US$ 1,5 bilhão com segurança, instalaram 1.600 câmeras pela cidade, quebraram o sigilo telefônico da população. Tudo corria bem até ontem. Mas ainda havia a maratona.
E, num lapso da força policial que fazia a proteção do 36º dos 42,195 km da prova mais charmosa do atletismo, um manifestante invadiu o percurso. Agarrou o líder da maratona, jogou-o no chão. Mudou a história da 28ª Olimpíada da Era Moderna.
A maior vítima dos Jogos que mais se preocuparam com a ameaça de ataques terroristas foi um brasileiro. Paranaense de Cruzeiro d'Oeste, ex-bóia-fria, Vanderlei Cordeiro de Lima, 35, liderava a maratona em Atenas, última prova da Olimpíada, quando foi atacado por Cornelius Horan, 57, um ex-padre irlandês que já ganhou notoriedade por invadir eventos esportivos.
Foi Horan que, no ano passado, entrou na pista de Silverstone durante o GP da Inglaterra de F-1 usando kilt, o tradicional saiote escocês, e carregando uma cartolina com os dizeres: "Leia a Bíblia. A Bíblia está sempre certa".
Ontem, também de kilt, ele usava uma camiseta com a mensagem "O padre do GP. A Bíblia diz que Israel cumprirá a profecia. A segunda vinda está próxima".
"Foi uma surpresa. Ninguém esperava. Se ele tivesse uma faca ou uma arma qualquer... Se ele quisesse fazer alguma coisa contra mim, teria feito", afirmou Lima. "Não tive como me defender. Estava muito concentrado na disputa da maratona."
Horan segurou o brasileiro e empurrou-o contra o público. Desequilibrado, Lima caiu.
Logo depois, policiais detiveram o manifestante, e o atleta pôde seguir na prova, após oito segundos parado. Segundo informou a polícia, Horan sofreria de problemas psicológicos.
Àquela altura da corrida, Lima já vinha enfrentando dificuldades para manter o ritmo e via a sua vantagem despencar.
No quilômetro 30, sua folga para o italiano Stefano Baldini, vice-líder, era de 47 segundos. No 35, um antes do incidente, era de só 28 segundos.
Baldini ultrapassou o brasileiro no 39º quilômetro. Logo depois, Lima foi vencido pelo maratonista de Eritréia naturalizado americano Mebrahtom Keflezighi.
Às 20h10 locais, 14h10 no Brasil, o fundista entrou na pista do Panathinaiko, o legendário estádio da primeira Olimpíada moderna, em 1896.
Era o terceiro colocado.
E foi o mais aplaudido entre os 81 homens que largaram da cidade de Maratona, refizeram a façanha atribuída ao soldado Pheidipedes em 490 a.C. e alcançaram a linha de chegada.
Seu bronze foi a única medalha do atletismo brasileiro em Atenas e a primeira do país em provas de fundo em Olimpíadas.
Pouco mais de uma hora e meia mais tarde, o cenário era outro estádio olímpico. O de 2004.
Seguindo a tradição, a entrega de medalhas aconteceu no meio da cerimônia de encerramento.
O brasileiro recebeu seu bronze das mãos do belga Jacques Rogge, presidente do COI (Comitê Olímpico Internacional), que lhe dirigiu algumas palavras antes da premiação.
"Ele pediu desculpas. Eu aceitei, fazer o quê?", respondeu o maratonista paranaense. Questionado sobre o prejuízo que teve na invasão, não falou em vitória. "Não sei se venceria, mas aquilo me atrapalhou. Eu chegaria melhor. Melhor fisicamente."
Entre o fim da prova e a cerimônia, o COB apresentou um primeiro recurso, que foi negado.
Em nova instância esportiva, o caso segue sem solução.


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