São Paulo, sábado, 30 de agosto de 2008

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JOSÉ GERALDO COUTO

Holanda no parque


No espaço da imaginação, Van Basten veste a camisa do Corinthians e o Davi santista vence o Golias tricolor

O QUE o Tatuapé tem a ver com a Holanda?
Em princípio, nada. A Holanda é um país de pequenas dimensões e alto índice de desenvolvimento humano. O Tatuapé é um bairro popular da zona leste de São Paulo, metrópole do Terceiro Mundo com grande população e baixo IDH.
Isso está parecendo locução de filme do Jorge Furtado ou do Torero, e o leitor deve estar se perguntando onde entra o futebol nisso tudo.
Pois bem. No Tatuapé fica o Parque São Jorge, sede do Corinthians, clube altamente popular, cuja legião de torcedores ultrapassa facilmente a população da Holanda.
A culpa da aproximação esdrúxula entre o Parque São Jorge e os Países Baixos é do técnico do ABC de Natal, Ferdinando Teixeira. Ele descobriu que o Corinthians de Mano Menezes adota o "estilo holandês" de jogo.
Ele se referia, claro, ao fato de o alvinegro atuar com três meias, um pela direita (Lulinha), outro pelo meio (Douglas) e o terceiro pela esquerda (Morais), deixando um atacante isolado na frente (Herrera).
Mas, ao conjugar Corinthians e Holanda na mesma frase, Teixeira adotou um procedimento poético caro aos surrealistas, que consiste em juntar dois termos semanticamente distantes para desencadear idéias e sensações imprevistas.
A expressão mais clássica disso é a frase de Isidore Ducasse, o conde de Lautréamont, no livro "Contos de Maldoror": "Belo como o encontro fortuito entre um guarda-chuva e uma máquina de costura sobre uma mesa de dissecação".
O cérebro humano é uma máquina que não cessa de gerar associações de todo tipo, ainda que não percebamos. Por conta da frase do técnico do ABC, será possível ver hoje no Pacaembu, com os olhos da imaginação, os craques Rijkaard, Gullit e Van Basten, ou Bergkamp, Overmars e Kluivert, na prosaica pele de Lulinha, Morais e Herrera.
Da mesma forma, o clássico de amanhã no Morumbi traz à mente, graças à sonoridade de seu apelido, San-São, o personagem bíblico traído por sua amada Dalila. Para o torcedor santista, o contexto mítico poderá propiciar a evocação de outro herói hebreu, Davi, que venceu o gigante Golias num duelo desigual.
Pois o San-São de amanhã não poderia ser mais desigual. O São Paulo luta pelo título, o Santos se segura para não despencar para a Série B.
Mas, se a lembrança de Davi for demasiado remota para o torcedor santista, ele pode recorrer a uma mitologia mais próxima. Há exatos 46 anos, no estádio Monumental de Nuñez, em Buenos Aires, o Santos conquistava sua primeira Libertadores da América, ao vencer o Peñarol por 3 a 0 no jogo de desempate da final, com dois gols de Pelé.
Se o cotidiano é duro, se o presente é árido, viajemos na imaginação. "O pensamento", já dizia Lupicínio Rodrigues, "parece uma coisa à toa, mas como é que a gente voa quando começa a pensar".

Fera encarcerada
O STJ negou o oitavo recurso de Edmundo pela redução da pena de quatro anos e meio a que foi condenado pela morte de três pessoas no acidente de carro causado por ele em 95. Entre os lugares para recomeçar a vida após pendurar as chuteiras, o mais estranho é a prisão.

jgcouto@uol.com.br



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