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FUTEBOL
Por quem os sinos dobram
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Nunca houve minuto de silêncio tão sentido. Diferentemente do que acontece quando
é feita burocraticamente a homenagem póstuma ao parente de
um obscuro ex-diretor de clube ou
federação, o anúncio da morte de
Serginho nos abalou e calou.
Três dias depois de acompanhar pela TV as imagens traumáticas das tentativas de reanimar o
jogador no campo do Morumbi,
confesso que não sei o que dizer.
(Então cale a boca, dirá o leitor
impaciente, não sem razão).
Escrever sobre o Campeonato
Brasileiro, os craques, os pernas-de-pau, as chances dos times, a
convocação da seleção -tudo
parece frívolo, superficial, vazio.
Por outro lado, pegar carona na
comoção geral e invectivar contra
a falta de infra-estrutura de
emergência nos estádios ou a rotina estafante que transforma atletas em máquinas me parece de
um oportunismo intolerável.
O fato é que, diante da morte,
da morte transmitida ao vivo no
momento em que menos pensávamos nela, em que mais nos sentíamos plenos de vida, de repente
nos vemos frágeis e ridiculamente
impotentes.
Acho que foi Sartre quem disse
que, depois de Auschwitz, a poesia não fazia mais sentido. Entendo, ou acho que entendo, mas discordo.
Ao relembrar a bomba de
Hiroshima, Pablo Neruda escreveu: "Quiséramos ser cavalos,
inocentes cavalos", para não fazer parte da mesma espécie "do
calcinador e do calcinado". Ao
horror, o poeta chileno respondeu
com poesia.
Sartre e Neruda estavam falando de tragédias coletivas, multitudinárias, e aqui falamos da morte
de um único indivíduo. Mas, do
ponto de vista moral e humano,
talvez não haja tanta diferença
assim. A morte de um homem sinaliza a condição frágil e efêmera
de todos os homens. O choque nos
lembra, numa vertigem, que nosso destino é morrer.
Peço desculpas aos leitores pelos
clichês, pela argumentação desconexa e pelo sentimentalismo barato, mas literalmente me faltam
palavras. Para tentar compensar
essa prosa ruim que lhes imponho, aproveito o espaço que me
resta para transcrever um texto
antigo, de quase 400 anos, um trecho célebre da "Meditação 17" do
poeta e religioso inglês John Donne (1572-1631), na tradução de
Paulo Vizioli.
"Nenhum homem é uma ilha,
completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente,
uma parte da terra firme. Se um
torrão de terra for levado pelo
mar, a Europa fica menor, como
se tivesse perdido um promontório, ou perdido o solar de um teu
amigo, ou o teu próprio. A morte
de qualquer homem diminui a
mim, porque na humanidade me
encontro envolvido; por isso, nunca mandes indagar por quem os
sinos dobram; eles dobram por
ti".
É possível que em nossos tempos
cínicos o humanismo radical de
John Donne soe carola ou ingênuo. Talvez seja por isso que o
mundo hoje, do Iraque ao Haiti,
de Jerusalém ao Capão Redondo,
é essa beleza que estamos vendo.
O dever de apurar
Tudo o que escrevi ao lado não
exime a imprensa de seu papel
de investigar as circunstâncias
concretas da morte de Serginho, nem tira da polícia o dever
de apurar responsabilidades.
Há que aperfeiçoar também, é
claro, as condições de atendimento médico nos estádios,
bem como melhorar o acompanhamento da saúde dos jogadores. É muito difícil emitir juízos sem conhecer os fatos a
fundo, mas tudo indica que na
morte de Serginho houve, ao lado da chamada "fatalidade",
um tanto de negligência do clube, que insiste em dizer que o
atleta não tinha problema de
saúde. Se tudo tivesse sido feito
de modo transparente -como
no caso de Washington, por
exemplo-, não estaríamos
com essa desconfiança diante
dos dirigentes do Azulão.
E-mail jgcouto@uol.com.br
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