São Paulo, quinta-feira, 30 de novembro de 2000

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FUTEBOL
Pesos e medidas

SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA

Talvez os dirigentes dos clubes não possam reclamar do regulamento da João Havelange, mas técnicos, jogadores e torcedores podem. E eu também posso.
Eu disse talvez porque imagino o peso de um veto da Ponte Preta, por exemplo, na reunião do Clube dos 13: "Ah, vocês discordam do regulamento? Tudo bem, podem pedir para sair. Tá "assim" de times querendo a sua vaga". Mais ou menos o que o (mau) patrão diz para o empregado descontente no país do desemprego a 10%.
Várias hipóteses tinham sido formuladas para demonstrar as distorções possíveis com esse regulamento "único" das oitavas-de-final, e os fatos consumados se encarregaram de confirmar algumas delas. Digamos que os seguintes resultados fossem apresentados: time A perde uma partida para o time B por 1 a 0, mas ganha a segunda por 2 a 1. Time A tem campanha melhor do que o time B. Quem se classifica?
Na JH, o de campanha pior, porque um de seus gols foi marcado fora de casa. Tem cabimento? O time A precisaria ter feito 3 a 1 no jogo em casa para compensar a derrota por 1 a 0 no jogo fora. Essa equivalência é ridícula.
Se o gol sofrido em casa tem peso maior do que o gol marcado, jogar em casa é desvantagem! Esse critério, além de injusto, provoca uma inversão nos princípios do futebol e favorece o jogo feio, afinal o mais importante em casa é não tomar gols. Defender bem é mais importante do que atacar.
Claro que essa é a história de "A" e "B" aconteceu com o Grêmio e a Ponte. O Grêmio se recuperou espetacularmente no torneio e não tem culpa de ter sido favorecido em detrimento da melhor campanha da Ponte, mas é uma pena que se jogue no lixo tão facilmente o bom desempenho conseguido em 24 longas rodadas.
A sétima posição conquistada na primeira fase não serviu para quase nada, e a Ponte não ficou sequer entre os oito melhores times. Uma tristeza.
Eu também lamentei a eliminação do Goiás, mas uma derrota por 3 a 0 é inapelável, seja qual for o regulamento. Se bem que 1 a 0 já era o suficiente para classificar o Paraná... Aliás, para o Goiás só interessava a vitória ou o empate em 0 a 0. Para o Paraná, qualquer vitória servia, e todos os empates a partir de 2 a 2. Ou seja: o fato de o Goiás empatar em 1 a 1 fora de casa deixou o Paraná com mais resultados a seu favor!
Outro exemplo de distorção: os resultados de 3 a 3 no primeiro jogo entre Bahia e Vasco e 2 a 2 no segundo dariam a vaga ao Vasco. Os mesmos dois empates, em ordem inversa, dariam a vaga ao Bahia! Como os mesmos placares podem ter significado diferente?
Só mais uma hipótese: se dois times do mesmo Estado se enfrentassem nessa fase em dois jogos no mesmo estádio não estariam todos "em casa"? O tamanho e a localização da torcida na arquibancada seriam a única diferença entre os jogos. O que isso tem a ver com o que acontece no campo? Nada, mas determinaria o peso do gol marcado em cada jogo.
Chorar sobre o leite derramado não vai mudar os resultados deste ano, mas muitas mudanças só são conseguidas na base da choradeira. Quem sabe no ano que vem tenhamos um campeonato mais lógico e decente.

Mas, afinal de contas, mesmo que os jogos sejam disputados em estádios (ou até Estados) diferentes, qual é a grande diferença do "gol-marcado-fora-de-casa"?
Se é para cada gol ter um valor diferente, então vamos caprichar nos critérios. Gol contra vale meio. "Gol-de-goleiro-em-linda-cobrança-de-falta", um e meio. Golaço vale dois, mas há que se chegar a um acordo. Chute de bico fora da área, daqueles que estufam as redes com gosto, vale a mesma coisa que um chapéu no zagueiro? "Gol-relâmpago-fora-de-casa" conta o mesmo que gol de pênalti? Gol de cabeça e gol de bicicleta têm pesos iguais? E o "gol-no-último-minuto"?
Vamos parar de palhaçada. Gol é gol e vale um, acabou.

Em jogo do Campeonato Italiano esta semana, Batistuta não quis comemorar o gol que marcou contra a Fiorentina, em respeito à torcida que já o aplaudiu tanto. Pode ser romantismo meu (ou "coisa de mulher"), mas achei a atitude comovente. Ele não precisaria fazer média com o ex-time e ainda corria o risco de desagradar a torcida da Roma, mas, mesmo assim, preferiu não ferir os sentimentos dos ex-aliados nem esconder os próprios sentimentos. Atitude hipócrita (porque marcou um gol assim mesmo) e antiprofissional (porque agora defende outras cores)? De jeito nenhum. Ele cumpriu sua obrigação de goleador, mas sem perder a ternura. Em época de prazeres sádicos, sinais de "coração mole" e humanidade destoam.
Não por isso, mas será que Batistuta nunca vai ser candidato a "melhor do ano"?
E-mail soninha.folha@uol.com.br


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