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FUTEBOL
Zé Cabala e o factótum
JOSÉ ROBERTO TORERO
COLUNISTA DA FOLHA
Gulliver varria a frente da
casa quando cheguei. Antes
de lhe dizer bom dia, perguntei
por aquele que vê além dos olhos,
por aquele que é o demiurgo dos
demiurgos, por aquele que não
conhece os limites de tempo e espaço, por aquele que...
- Zé Cabala está jogando sinuca no bar, vou chamá-lo.
Naquele meio tempo entrei para a já conhecida sala onde se
avistavam a túnica e o turbante,
a indumentária que o mundo, no
futuro, há de reverenciar como
um sudário do saber esportivo.
O mestre chegou minutos depois. Estava com os olhos vermelhos e falava com a língua levemente enrolada:
- O que você quer desta vez?
- Divino professor, hoje gostaria de falar com Coelho Neto.
Zé Cabala recuou na cadeira,
fez uma ar professoral e disse:
- Data vênia, egrégio cronista,
por que razão quereis que eu deixe as pulquérrimas plagas e venha falar do fero desporto sobre o
qual perorais?
Tratei de corrigi-lo.
- Não, mestre, não é com o escritor Coelho Neto que quero falar, e sim com o filho dele, João
Coelho Neto.
- Ah, o Preguinho!
Passaram-se alguns segundos e
então o profeta maior começou a
correr em volta do quarto, depois
dar braçadas de natação em cima
da mesa, depois juntou duas cadeiras e, pegando uma vassoura,
fingiu que remava no ar. Perguntei se já podia me comunicar com
o filho do famoso escritor:
- Claro que pode, amigo. Desculpe falar enquanto faço essas
atividades todas, mas é que,
quando vivia aqui embaixo, eu
adorava os esportes.
- O sr. não jogou só futebol?
- Não, também pratiquei basquete, natação, pólo aquático, remo, saltos ornamentais, atletismo, vôlei e hóquei sobre patins.
Sabia que eu ganhei 387 medalhas e conquistei 55 títulos?
- Não. E acho que nunca tinha
ouvido falar de nada parecido.
- O importante é que, mesmo
com isso, eu ainda arranjei tempo
para marcar 184 gols pelo Flu.
- O senhor foi um apaixonado
pelo tricolor, não foi?
- Quando eu nasci, meu pai tinha acabado de comprar uma casa vizinha ao estádio. Pode-se dizer que eu fui criado no clube.
- O senhor poderia contar alguma história desse tempo?
- Uma passagem interessante
aconteceu em 1925. De manhã eu
participei de uma prova de natação, os 600 m livre, em Botafogo,
ganhando o campeonato carioca
da categoria para o Fluminense.
Depois, mal saído da água, peguei
um táxi para as Laranjeiras, entrei em campo e ajudei o time a
vencer o Torneio Início num jogo
contra o São Cristóvão. Parecia
que eu tinha sete vidas, mas, como você está vendo, mesmo as sete vidas um dia se acabam.
- Na verdade, a única coisa
que eu sabia a seu respeito é que
tinha marcado o primeiro gol
brasileiro em Copas do Mundo,
naquele dia em que o Brasil perdeu para a Iugoslávia por 2 a 1.
O factótum tricolor ia responder quando meu guia começou a
emitir chiados como da internet.
- A entrevista acabou. Caiu a
conexão.
Eu começava a preencher o cheque quando Zé Cabala me perguntou se eu não poderia pagar
duas consultas adiantado.
- Sabe como é, não tive um
bom dia na sinuca.
Paguei, mas sugeri que ele deixasse o jogo e se limitasse ao sacerdócio. Nem todos podem ser
bons em tudo como Preguinho.
A
Almir, Amir e Aimar eram
trigêmeos. Na década de 40
eles formaram o ataque da
Santíssima Trindade Esporte
Clube, da cidade de Quem
Quem (MG). Os três trocavam sempre de posição e, como naquele tempo as camisas ainda não tinham números, seus marcadores ficavam
totalmente perdidos. O sucesso do trio durou até que
Almir raspou o cabelo, Amir
decidiu deixar crescer um
basto bigode, e Aimar, uma
vasta barba. Depois disso, os
marcadores sempre sabiam
quem era quem, e eles nunca
mais foram os mesmos.
B
Brisa era um goleiro tão magro e leve que saltava mais do
que qualquer outro. Um dia,
entretanto, quando pulava
para interceptar um cruzamento, soprou um repentino
vento nordeste e ele foi levado pelos ares. Brisa jamais foi
visto outra vez.
E-mail torero@uol.com.br
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