São Paulo, quarta-feira, 31 de março de 2004

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FUTEBOL

Quatro fenômenos em campo

TOSTÃO
COLUNISTA DA FOLHA

Se o Paraguai recuar demais para marcar no seu campo e priorizar o contra-ataque, como faz a maioria das seleções que enfrenta o Brasil, o time nacional terá menos problemas na defesa, não sofrerá pressão, não haverá tantas bolas cruzadas na sua área e será mais fácil vencer. Os times que marcam mais na frente e não deixam o Brasil tocar muito a bola no meio-campo são os que têm mais chances de surpreender.
A principal jogada do Paraguai ainda é o cruzamento do Arce. O Brasil terá de evitar excesso de faltas na sua intermediária. Em vez de deixar o Arce receber a bola na lateral do campo brasileiro, Zé Roberto deveria marcá-lo mais na frente.
Parreira disse ao repórter Sérgio Rangel, da Folha, que Kaká vai atuar mais pela direita, fazendo dupla ofensiva com Cafu. Isso é bom. Os três do meio-campo não podem também ficar muito distantes dos três da frente. Se Kaká e Ronaldinho Gaúcho estiverem muito marcados e não receberem a bola dos três armadores, um dos dois deveria recuar para iniciar as jogadas no campo do Brasil.
Apesar de a seleção brasileira ser quase a mesma da Copa e dos atletas atuarem juntos há dois anos, insistem na falta de entrosamento. A ausência de treinamentos foi um grande problema na eliminatória anterior, quando o Brasil tinha de formar uma equipe. Além disso, todas as outras seleções têm a mesma dificuldade para treinar. Os principais jogadores do Paraguai só chegaram no final de semana.
Ganhar no Paraguai é sempre difícil, mas uma equipe que tem quatro dos melhores jogadores do mundo (Roberto Carlos, Kaká e os dois Ronaldinhos), dois excepcionais (Dida e Cafu), além de outros bons e excelentes atletas, é sempre favorita contra qualquer time, mesmo fora de casa.

Tempos da ditadura
Há 40 anos foi instalada a ditadura e a tortura no Brasil. Nos preparativos para a Copa de 66, a seleção viajou por várias cidades e participou de muitas festas, só para agradar aos políticos locais que apoiaram o golpe militar de 64. O futebol se tornou o circo dos governantes.
Nas eliminatórias de 69, disse numa entrevista que era contra a ditadura e um grande admirador do bispo Dom Helder Câmara, que era perseguido pelo governo por causa de sua atuação política e social. Recebi um telefone de uma pessoa que se dizia meu admirador e que me aconselhou a não falar de política. Tenho dúvidas se não foi alguém do governo.
Na Copa de 70, não houve nenhuma ordem para não se falar de política, porém não havia ambiente para isso. Quase todos os jogadores não se interessavam pelo assunto e só se pensava na conquista do título.
Alguns militares, que tinham muitos conhecimentos na área esportiva, participaram da comissão técnica. Cláudio Coutinho foi preparador físico, depois supervisor e o grande planejador da seleção. A equipe fez uma longa e ótima preparação. Era importante para a ditadura que o Brasil ganhasse a Copa.
Assim como me surpreendeu a escolha do saudoso e humanista João Saldanha para técnico em 69, já que ele era um conhecido comunista, não ficaram claros os motivos de sua saída antes da Copa. Ao mesmo tempo que o técnico tinha condutas que sugeriam o seu desejo de sair e provavelmente não queria colaborar indiretamente com a ditadura, parecia haver um desejo de afastá-lo.
Dias antes da saída do Saldanha, havia um sussurro que dizia que o Cláudio Coutinho teria ido à Brasília para conversar com o presidente sobre o técnico. Ninguém afirmou isso, com provas.
Após o Mundial, fomos recebidos com grandes festas no Brasil. Eu não queria ir a Brasília, pois seria uma boa chance de protestar contra a ditadura, mas racionalizei que não deveria misturar política com esporte. Estava também com 23 anos, eufórico com a glória e o título, não tinha a consciência dos fatos que tenho hoje e poderia ser duramente punido.
Hoje, me arrependo de ter ido. Quando ficamos mais velhos, percebemos que deixamos de fazer muitas coisas importantes e que fizemos outras que não deveríamos fazer. Só os santos passam pela vida sem cometer erros.
Felizmente, vivemos hoje numa democracia. Mas isso não basta. Os problemas de educação, saúde publica, violência, desemprego, saneamento básico, distribuição de renda e muitos outros continuam graves. Até quando?


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