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São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2003

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No Brasil, futebol é coisa de moleque


Enquanto craques debandam para o exterior, participação de atletas com menos de 20 anos cresce 140% nos últimos três anos no Brasileiro


PAULO COBOS
MARÍLIA RUIZ
DA REPORTAGEM LOCAL

O que era um quebra-galho ou prerrogativa de grandes craques, como Pelé e Ronaldo, começa a virar rotina no futebol brasileiro.
Esfacelados pelo êxodo de atletas para o exterior, os clubes do país utilizam um verdadeiro exército de adolescentes no Nacional.
Mais de uma centena de atletas que não haviam completado 20 anos no início da competição, no final de março, entraram em campo só no primeiro turno. Isso significa 12% do total de jogadores que já atuaram pelo Brasileiro.
Em 2000, na última edição antes da entrada em vigor do dispositivo da Lei Pelé que acabou com o passe, só 5% dos atletas inscritos para a primeira metade do certame eram adolescentes. Há dez anos, a participação teen foi só um pouco maior -6%.
Quando se compara com a situação de outros países fica ainda mais clara a precocidade brasileira. No Campeonato Espanhol que começou ontem, nem uma dezena de adolescentes aparecia na lista de quase 600 atletas inscritos.
Mais do que uma safra refinada, o que causa a explosão de teens é o retrato atual do futebol no Brasil.
Uma lei debatida por anos, mas que ainda não foi absorvida pelos clubes, cofres vazios e um campeonato nunca antes visto no país abriram o caminho profissional para juvenis e juniores.
Primeiro, com a Lei Pelé, os clubes passaram a ter pouco controle sobre os destinos dos atletas.
Receosas de ficarem sem o dinheiro da venda de um jogador que vai ficar livre para mudar de clube ao final do contrato, as equipes negociam apressadamente quem tem mercado no exterior.
Foi o que aconteceu com Kaká, que tinha contrato com o São Paulo até 2005, mas foi repassado ao Milan há menos de um mês.
Após o fim do passe, em março de 2001, times que formam jogadores ganharam o direito de assinar com eles, aos 16 anos, o primeiro contrato profissional, com prazo máximo de cinco anos.
Se tivessem dinheiro em caixa, os clubes não teriam porque reclamar do fim do passe, já que, ao mesmo tempo em que não ganham nada ao fim de cada contrato, não precisam investir, além do salário, em novas contratações.
Mas, como não têm reais ou dólares no banco, as equipes necessitam trazer jogadores da base, muitos deles ainda na adolescência, para repor as perdas.
Tudo isso é agravado pelo formato do Nacional, que terá quase nove meses de duração, em um cenário onde alguns contratos duram só um semestre.
"Não nos dão opção neste Brasileiro de pontos corridos. Perdemos nossos atletas para o dinheiro de fora, não temos condição de repatriar e não podemos trocar de jogadores no meio do ano [por causa do regulamento]. Estamos rezando para chegar o dia em que se encerram as inscrições na Europa", diz Juvenal Juvêncio, diretor de futebol do São Paulo.
Mais baratos, os teens começam a ocupar o espaço dos veteranos. No maior campeonato do país, o número de atletas acima dos 30 é praticamente idêntico ao dos que ainda não completaram 20.

Protagonistas
Dos 24 clubes do Brasileiro, 21 já usaram serviços de menores. Em alguns casos, eles foram utilizados em situações de desespero e tiveram participações discretas.
Mas, depois do sucesso dos santistas Robinho e Diego no ano passado, os garotos ganharam status e fama de craque do time.
Aos 18 anos, Diego é o único teen convocado por Carlos Alberto Parreira para o início das eliminatórias para a Copa-06. Isso por ser o principal atleta do time, que perdeu ontem o primeiro posto no Nacional para o Cruzeiro.
No novo líder do torneio, o volante Augusto Recife foi titular absoluto em todo o primeiro turno, quando tinha 19 anos (fez 20 no mês passado), e seu clube brilhou intensamente.
Para sair de anos de ostracismo, o Inter deu camisas de titular a garotos revelados no clube. A maior jóia da coroa gaúcha é o atacante Nilmar, 19, que já cavou uma vaga de titular na seleção sub-23.
Sem dinheiro e perdendo medalhões a cada semana, o Corinthians segue a mesma trilha. Hoje, contra o Flamengo, no Maracanã, o time vai escalar três adolescentes -o lateral Fininho, 19, e os atacantes Jô, 16, e Wilson, 18.
"Instituímos no Corinthians o programa "Galo que é bom nasce cantando". Se um menino das categorias de base passa pelas seleções menores, tem direito e prioridade em nossa equipe profissional", diz o vice Roque Citadini.
Promovidos ao time principal, os garotos mostram entusiasmo e um certo receio. "Estava em Itaquera treinando e me avisaram que tinha que me apresentar no Parque São Jorge. Não acreditei. Mas, com tantas contusões e jogadores saindo, tiveram que apelar para nós. É um pouco cedo, mas estou feliz", diz Jô, o mais jovem a fazer um gol pelo time na história.
O ambiente de contratos milionários, as leis que protegem adolescentes e os direitos dos jogadores são um mistério para eles.
"Não sei nada de Estatuto da Criança e do Adolescente. Nunca ouvi falar disso. Acho que meu pai e meu procurador estão a par. Mas não tem problema, vou fazer 18 anos logo", afirma Fábio Santos, 17, lateral São Paulo.
"Não sei nada de lei. Meu pai cuida para mim. Tenho certeza de que está tudo em ordem", diz Jô.


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