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FUTEBOL
Estamos no mesmo barco
SONINHA
COLUNISTA DA FOLHA
Poucas coisas são mais reconfortantes do que encontrar um policial preparado na hora do perigo. Anos atrás, meu marido saía do Morumbi com dois
amigos quando deu de cara com
um grande número de torcedores
do outro time, prontos para o
"pau". Apavorados, os três sabiam que não tinham para onde
escapar e seriam moídos de pancada. Aliviadíssimos, viram a polícia aparecer, e a sua mera presença evitou o massacre.
Por outro lado, ter medo da polícia é uma sensação horrível.
Meu marido também se lembra
de estar entrando em um estádio
e ouvir de um policial com expressão feroz: "Tá rindo de quê?". Como se rir fosse uma ameaça à segurança pública.
Já vi policiais usando seus cassetetes para fazer uma fila andar
mais rápido... Também vi correrem atrás de alguém para dar
umas cacetadas -caramba,
quando o sujeito está fugindo, de
costas, para que bater nele? E todos já vimos policiais batendo ou
chutando pessoas caídas, rendidas. Uma covardia, que tem mais
a ver com ódio do que com a
"energia" normalmente evocada
para justificar os excessos. É óbvio
que os protagonistas dessas cenas
são policiais despreparados. Em
vez de evitar, às vezes eles mesmos
criam o tumulto, a correria, o pânico e aumentam a confusão.
Gostaria de saber se os policiais
são instruídos a proteger as pessoas ou a "acabar com a raça desses baderneiros". Dependendo da
"preleção" antes do jogo, a sua
disposição pode ser totalmente diferente. Ao menor sinal de deboche ou provocação, bastante previsível em um jogo de futebol, um
PM pode ver a ameaça de um meliante. Em vez de lembrar que, em
uma multidão, há pessoas de todos os tipos, ele pode enxergar
apenas um bando de arruaceiros.
Sim, as pessoas perdem a identidade na multidão, fazem coisas
que não fariam, sentem-se protegidas e fortes. Por isso mesmo é
importante que a polícia não se
volte indistintamente contra todas -porque os inocentes, duplamente ameaçados (pelos baderneiros e pelos policiais) poderão
reagir de maneira irracional também, enxergando a polícia como
inimigo. As consequências são
terríveis para as relações em geral
-cidadãos de bem contra a polícia são sinal de problema grave.
Policiais têm medo, raiva, impaciência e implicância como
qualquer ser humano. Por isso
mesmo, eles precisam ser treinados para não deixar que suas
emoções transbordem quando
têm armas e uma farda para honrar. Um médico também tem raiva, cansaço, frustração -mas
não pode se deixar levar por nada
disso quando empunha o bisturi.
Um policial precisa ser alguém
muito especial, devotado, "incansável". Alguns são -e pagam pelos outros. Nossas generalizações
("torcida = bandidos"; "polícia =
bando de incompetentes") estão
sempre erradas.
O triste é que, muitas vezes, policiais e torcedores têm o mesmo
perfil -vêm de lugares sem estrutura, tiveram educação deficiente, têm renda familiar baixa, não
têm opções de lazer, não se sentem nem um pouco participantes
da sociedade como cidadãos dignos e respeitáveis, quase nunca
são respeitados...
Não é de admirar que machuquem uns aos outros quando se
encontram em um estádio de futebol. Um dia, quem sabe, ainda
vamos estar todos do mesmo lado, conquistando, com todo o direito, um lugar na Série A da sociedade brasileira.
Velhas questões
Há quem diga que o problema começa no fato de a polícia ser militar. O policial, treinado para a guerra, veria a
multidão como um inimigo a
combater e vencer, não pessoas que, em sua maioria, só
querem ver um jogo e voltar
inteiras para casa. É óbvio
que saem bons policiais das
fileiras militares. O sistema
militar valoriza disciplina,
abnegação e respeito à hierarquia; com base nisso, ordens expressas para não revidar uma agressão seriam
cumpridas à risca. "Detenham, afastem, imobilizem
os agressores. Tenham inteligência e astúcia para identificar os focos de instabilidade e
isolá-los, de modo que ninguém saia ferido. O papel de
vocês não é condenar ou punir, é proteger." Totalmente
cientes disso e confiantes na
autoridade superior a eles, os
policiais seriam mais fortes,
resistentes e heróicos.
E-mail
soninha.folha@uol.com.br
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