São Paulo, segunda, 1 de março de 1999

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Nirvana Ano 10

ANDRÉ BARCINSKI
especial para a Folha, de Nova York

Há exatos dez anos, uma pequena gravadora de Seattle, a Sub Pop, lançou "Bleach", o primeiro disco do Nirvana. Pouca gente prestou atenção no LP, mas os poucos que ouviram ficaram maravilhados.
"Bleach" misturava a fúria primal do punk com uma sensibilidade pop e inaugurou o que se convencionou chamar de grunge. Gravado em oito canais pela bagatela de US$ 600, era "sujo" demais para as rádios mais comerciais. Vendeu pouco, mas fez um baita sucesso no mundinho alternativo e revelou a genialidade de Kurt Cobain.
Dois anos depois, o Nirvana voltaria à carga com "Nevermind", um disco mais polido e acessível. A faixa "Smells Like Teen Spirit" estourou, e o rock nunca mais foi o mesmo. Com um disco, o Nirvana destruiu a barreira que separava o rock "alternativo" das massas; o punk deixou de ser propriedade de uns poucos felizardos e tomou de assalto a mídia. Foi como se uma epidemia de bom gosto tivesse subitamente infectado todo o planeta.
Hoje, cinco anos depois do suicídio de Kurt Cobain, o Nirvana continua mais influente e importante do que nunca. Duvida? Então pergunte a Thom Yorke, do Radiohead, ou Noel Gallagher, do Oasis, quem foi que lhes abriu as portas para o sucesso. Depois que "Nevermind" provou que era possível misturar tantos estilos, punk, pop, metal, new wave, blues numa música só, ninguém mais ousou se fechar num clubinho exclusivo.
O mentor dessa revolução foi mesmo Kurt Cobain. Passam-se os anos e fica cada vez mais claro que o sujeito era um artista especial. Como letrista, não ficava nada a dever a Neil Young ou Bob Dylan. Tinha uma capacidade incrível de dizer muito em poucas palavras (não é essa a grande prova de fogo da música pop?); em "Smells Like Teen Spirit", usou frases aparentemente desconexas para falar do isolamento e letargia de sua geração: "Com as luzes apagadas é menos perigoso/ Aqui estamos/ Entretenha-nos / Sinto-me estúpido e contagioso"; em "Serve the Servants", ironizou a própria fama de "porta-voz da geração 90": "O ódio adolescente rendeu boa grana/ Agora estou velho e entediado."
Musicalmente, o Nirvana foi uma revolução. A banda começou tocando um punk barulhento, influenciado por grupos dos anos 80 como Black Flag, Flipper, Big Black e Fear, mas logo começou a incorporar outras influências. Cobain era fã de rock mais melódico e adorava bandas pop como o Vaselines, da Escócia, o Shonen Knife, do Japão, e o Raincoats, da Inglaterra. Quando escreveu "Smells Like Teen Spirit", confessou que quis copiar o Pixies (fantástica banda americana especializada em punk-pop); já o riff de guitarra de "Come As You Are" foi chupado de "Eighties", do grupo punk-industrial inglês Killing Joke.
Cobain, Chris Novoselic e David Grohl juntaram todas as bandas de que gostavam, fizeram uma mistura dos diabos e acabaram criando um novo som. No processo, ajudaram a ressuscitar a carreira de vários de seus ídolos, como Butthole Surfers, Melvins, Meat Puppets e Shonen Knife. O Nirvana foi um liquidificador sonoro: durou pouco, mas mexeu com o rock para sempre. A banda mais importante desde os Sex Pistols. Fim de papo.




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