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free way
Ler e escrever; pensar e existir
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Muita gente escreve perguntando como se faz pra escrever bem.
(E eu sei lá? Pergunte pro Veríssimo ou pro Gaspari.) Parece que,
além do 1% de inspiração que está
no DNA de qualquer aspirante a
Shakespeare, o que é determinante são os 99% de transpiração. O
que, em matéria de escrita, só significa uma coisa: ler.
Ler é fundamental. Não só por
uma série de razões práticas
-aumenta seu vocabulário, seu
conhecimento geral, a capacidade de expressão e a probabilidade
de sucesso com as mulheres-,
mas especialmente por despertar
áreas adormecidas de seu cérebro. Ler a boa literatura assim como entrar em contato com artes
plásticas ou música ativa a imaginação, a capacidade de abstração.
Mas, mais importante, ler desenvolve a única capacidade realmente importante nessa vida, que
é a de pensar.
Passando um certo ponto de leitura, a estupidez fica impossível.
Você não pode ler Marx e Smith e
concordar com ambos, sem se
questionar sobre qual dos modelos econômicos faz mais sentido.
O mesmo vale pra Platão e Maquiavel quando se fala dos governantes; Sun Tzu e Gandhi sobre a
guerra; Hobbes e Thoreau sobre
obediência civil; Freud, Jung,
Santo Agostinho e Paulo Coelho
no que diz respeito à espiritualidade etc. A lista é infinita: pra cada aspecto mais ínfimo da vida
humana, há uma multidão de
opiniões diferentes e quando você entra nelas é impossível que o
seu cérebro, enferrujado por horas e horas de baboseira televisiva, não pegue no tranco e comece
a trabalhar. Só há três dificuldades nesse processo.
A primeira é gostar de ler.
Quem lê por obrigação não passa
de algumas dezenas de livros e
nunca entende o prazer que é a
leitura. Essa idéia de que literatura é algo enfadonho é, claro, herança de todos os professores limitados que lhe mandaram ler
porcaria no colégio e depois fizeram provas ou pediram "fichas de
leitura" em que você, como papagaio, teve de repetir a história pra
provar que leu. Duas dicas: primeiro, leia o que lhe interessa,
não espere o professor lhe pegar
pela mão; segundo, lute contra a mediocridade dos
seus professores, exija tratamento de
ser pensante.
A segunda dificuldade é saber o que
ler. Lembro-me de ficar lendo as pessoas
que eu admirava ou tinha respeito na minha infância pra ver o que
elas liam ou recomendavam e aí
tentava ler o mesmo. Acabei lendo "O Nascimento da Tragédia",
de Nietszche, com uns 14 anos,
achando que a tragédia mencionada era alguma hecatombe; nem
idéia da tragédia grega, Sofócles
ou Ésquilo. Ou seja, não dá certo.
Outro caminho é ler os clássicos,
aquilo que todo mundo já disse
que é bom, de Homero a Proust.
Mas não adianta dar caviar pra
quem nunca comeu lambari. Vai
encher o saco. Comece lendo coisas que lhe interessem e que prendam a atenção, aos poucos você
acaba migrando pra boa literatura, por causa das citações, referências e tal. Só não vá para aquela areia movediça de esoterismo,
auto-ajuda e romance "melacueca", que porcaria vicia.
Por último, "há uma pedra no
meio do caminho". Acontece pra
muitos de, depois de ler meia dúzia de livros, achar que o seu lado
da moeda é o único e rejeitar todo
o resto como mentira. É a arrogância típica do "imbécil". Cuidado pra passar essa fase. Quanto
mais se lê, mais se nota que se sabe pouco, quase nada. E que pouco na vida é imutável, definitivo,
inquestionável. O que importa é
desenvolver a capacidade de pensar e de julgar por si só. Até pra
entender que tudo o que está escrito acima pode não passar da
mais absoluta idiotice.
Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política
na University of Pennsylvania, EUA, e-mail:
desembucha@cyberdude.com
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