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The Kills é matador
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
"Desculpe, perdi meu microfone." É a única
frase trocada entre cantora e platéia, em meia hora de show. Minutos antes, pela enésima vez, ela havia
derrubado o microfone. O equipamento nem caiu tão longe assim.
Se ela olhasse para o chão, à esquerda, o encontraria. Mas sabe-se
lá em qual galáxia está a cantora. Para ela, a peça mergulhou em alguma
fenda inacessível do espaço-tempo.
Pediu desculpas ao público usando
o microfone de seu parceiro.
São só eles dois e a platéia. A cantora é alta, morena, esconde o rosto
o tempo todo atrás de longos cabelos negros. Já ele canta e toca guitarra. Ou melhor, não canta, urra. E
não toca guitarra do jeito que a gente conhece. As notas saem do instrumento como espasmos sem rumo.
Ele é baixo e usa o cabelo em tigela.
Parece Mark E. Smith, da lendária
banda The Fall, 30 anos mais novo.
Estamos em um show da dupla
anglo-americana The Kills, que simplificou ainda mais a fórmula dos
White Stripes. Se os WS têm só um
homem, Jack, na guitarra, e uma
mocinha, Meg, na bateria, os Kills
precisam de ainda menos.
Ele, que usa o sensacional nome
artístico Hotel, faz guitarra e vocais.
Ela, VV, praticamente só canta. Toca guitarra em poucas canções. Máquinas
substituem baixo e bateria.
O guitarrista e a cantora são, tudo indica, marido e mulher. Há uma brutal tensão sexual entre os dois. Os microfones (pelo menos enquanto um não desaparece) ficam de frente um para o outro. Hotel e VV cantam se olhando nos olhos,
de lado para a platéia.
A música é blues/rock reduzida ao mínimo. Na última canção, VV se joga no
chão, separa levemente as pernas, está entregue aos golpes de guitarra de Hotel,
que toca ajoelhado no espaço onde as pernas se abriram.
Depois da última nota, ele se levanta bruscamente. Ela demora um pouco,
agarra Hotel pela parte da frente das calças, como se quisesse mais. Acabou.
As 4.000 pessoas presentes à Brixton Academy, em Londres, lançam aplausos
protocolares. O público, majoritariamente adolescente, estava lá para ver a banda de encerramento. Mas o que veio depois é uma história para as próximas semanas.
Por hoje, ficamos com The Kills. E pode acreditar: basta.
Álvaro Pereira Júnior, 41, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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