São Paulo, segunda, 2 de fevereiro de 1998

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"Você entra e não consegue mais sair"

free-lance para a Folha

"Não recomendo esta vida para ninguém", diz A., 21, que há seis anos trabalha como garoto de programa. "Você entra, se acostuma a ganhar dinheiro fácil e não consegue mais sair", diz.
Tentando evitar essa situação, A. está planejando uma viagem para os EUA, onde pretende trabalhar com amigos que moram em Nova York. "Lá essa profissão é muito mais rentável, mas acho que não tenho vez. Os americanos são mais altos, fortes e bonitos. Não vou tentar competir com eles."
Enquanto está aqui, A. evita trabalhar na rua. "Aqui a gente é muito discriminado pelos próprios clientes e, pior, por nós mesmos." Ele se refere ao fato de os garotos se tratarem por "boy". "Eu procuro chamá-los pelo nome verdadeiro."
A. também evita as ruas porque não quer fazer programas com desconhecidos. "Quase nem olho mais para os carros que passam pois sei que, se eles pararem, vou entrar. É difícil evitar essa vida."
Hoje, ele garante o ganha-pão trabalhando para três clientes fixos há mais de um ano. Eles pagam, por programa, muito mais do que os RÏ 50 que A. cobraria na rua (média que os garotos geralmente pedem no largo do Arouche).
"Eles me pagam cerca de RÏ 400 por programa, além de bancarem as minhas roupas e outros presentes. Para eles, eu não sou apenas um objeto, sou um amigo."
A confiança é tanta que, quando A. foi aprovado no vestibular, eles se ofereceram para pagar o curso, mas ele não aceitou. "Fiz as contas e percebi que é melhor gastar o dinheiro nos EUA", diz. "Quando conseguir bastante dinheiro, pretendo voltar para o Brasil e abrir um clube gay."
Orgulho
Se tem uma coisa de que ele se orgulha é o fato de ter convencido um rapaz de 19 anos a não se tornar garoto de programa.
"Andei com ele por todas as ruas e perguntei aos outros garotos o que diriam para quem está iniciando. A resposta foi unânime: "Vá embora para casa enquanto é tempo'. Gostaria de poder fazer isso com todo mundo que está entrando nessa."
Apesar de dizer que tudo o que aprendeu na vida foi com os clientes, A. se arrepende da profissão que leva desde os 14 anos. "Já me confessei com um padre e acho que posso pagar os meus pecados ajudando quem precisa." (GG e LF)



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