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CAMINHO DE PEDRAS
Adolescentes com deficiências físicas adaptam o mundo à sua condição
Outros rumos
KATIA CALSAVARA
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No meio do caminho, sempre há pedras, postes, buracos, escadas, poças
d'água. Ao mínimo sinal de tropeço, os
comentários não escapam: "Ei, por que
não olha por onde anda?" Para Fernando
José da Silva, 15, atravessar ruas é uma tarefa que requer atenção redobrada e toques precisos de uma bengala.
O garoto ficou cego quando tinha poucos meses de vida. Sua mãe percebeu,
ainda no berço, que ele não focava o
olhar nos objetos, como é típico de uma
criança que começa a reconhecer o mundo. Fernando foi vítima de uma doença
que ataca a retina em bebês prematuros.
O Folhateen acompanhou o trajeto
que Fernando faz, sozinho, até à escola.
Todo dia, ele sai de casa, em Taboão da
Serra (Grande São Paulo), e segue a pé
até o ponto de ônibus, distante cerca de
quinze minutos.
Após molhar os pés em poças d'água e
de alguns (inevitáveis) tropeços, ele chega ao ponto. "Quando não tem ninguém
por aqui, dou sinal para qualquer caminhão", conta Fernando, que reconhece
os veículos pelo barulho. "Eu sei a hora
de descer pelas lombadas, pelo número
de paradas e pelas ruas esburacadas."
Na escola, ele comenta sobre os colegas: "Aqui eles estão acostumados, mas
tem gente que pensa que cego não fala.
Preciso puxar assunto".
Na sala de aula, Fernando é daqueles
que conversam bastante. Ele troca confidências com o amigo Raimilson Damaceno Santos, 15, que também ficou cego
após complicações de uma infecção auditiva aos oito meses de idade. "Nós falamos sobre tudo: futebol, garotas, computador, escola. Também já colamos na
prova. Passamos a folha por baixo da
mesa", diz Raimilson, aos risos.
O professor de matemática, Rinaldo
Araújo, está há poucas semanas no colégio, a Escola Municipal João XXIII. "Eles
acompanham bem a aula. Mas percebi
que preciso ser mais articulado", diz.
A escola onde Fernando estuda não é
especial para cegos. A Constituição obriga toda escola, pública ou particular, a
aceitar a matrícula de todo aluno, independentemente de seu tipo de deficiência.
Imagens e sonhos
Viver em um mundo dominado pela
linguagem audiovisual pode não ser muito fácil. Mas sempre há maneiras de tirar
proveito. "Quando começo a assistir a
um filme, por exemplo, preciso ficar
atento para memorizar a voz e o jeito dos
personagens. Só é chato quando há muitas cenas com música porque tenho que
adivinhar o que está acontecendo."
"Meu maior divertimento mesmo é ir à
casa dos meus colegas. E, de vez em
quando, eu participo de excursões para
assistir a peças de teatro e a exposições".
Confiante, Fernando diz: "Minha meta
para este ano é ir a um estádio de futebol.
Não tenho medo da multidão nem de
cair". E revela que já teve vontade de ir a
alguns shows, mas que teve preguiça.
Na hora de escolher o que vestir, as
mães ajudam. "Mas só até eu saber o que
tem no armário. Faço a minha bagunça e,
quando arrumam, fico meio perdido."
Seus sonhos, como são? "Têm vozes e
vultos e revivo acontecimentos daquele
jeito fantasiado, de sonho mesmo."
Qual a diferença então de quem pode
enxergar? "Meu mundo não tem diferença. É apenas falado", revela.
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