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São Paulo, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003

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ENCONTRO

Participantes do fórum compartilharam diversidade social, cultural, religiosa e sexual

Acampamento internacional vira torre de Babel

LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

Quem entrou no Acampamento Internacional da Juventude durante o 3º Fórum Social Mundial, que terminou na última segunda-feira, em Porto Alegre, teve a mais clara noção do que significa uma torre de Babel. Só que com variedades que não se limitavam aos idiomas, como na passagem bíblica. Eram também de classe social, formação cultural, religião, sexo e até na forma de fazer sexo.
Que o diga o paulista Giovani Flagriari, 21, natural de Mariápolis e estudante de letras. Giovani chegou ao Fórum Social carregando as melhores intenções.
Em primeiro lugar, ele queria conhecer uma garota com a credencial de ser originária dos EUA, da Inglaterra ou do Canadá. Enfim, que falasse inglês fluente e saciasse seu interesse em praticar o idioma. Se fosse competente também na arte de fazer sexo dentro da barraca, maravilha. No primeiro dia, Giovani se sentiu um afortunado. Loira, bronzeada, linda -e norte-americana! Era ela.
Lá se foi o paulista entabular um diálogo no seu inglês inseguro. A conversa já durava uns 15 minutos quando de uma barraca recém-armada surgiu outra norte-americana, fazendo cara de poucos amigos. As duas se abraçaram com um afeto que superou qualquer idioma no seu significado. Giovani se tocou.
Os amigos João Fuzatto, 23, de Piracicaba (SP); Catiane Matiello, 20, de Medianeira (PR); Amanda Rosa, 23, de Santos (SP); e Renata Lopes, 25, de Cruz Alta (RS) olharam para o decepcionado Gionavi e comentaram a preferência sexual das norte-americanas, sem qualquer censura ou malícia. Nenhum deles, afinal, é preconceituoso. O problema foi que os comentários feitos em alto e bom som, em português, eram entendidos pelas duas, que vivem no Rio. Ficou chato.
A Agência Folha teve a oportunidade de se aproximar um casal. Catiane e João Fuzatto, de mãos dadas, relutaram em falar com a reportagem sobre o namoro que se iniciava ali. Fotos, então, nem pensar. No fim, cederam.
"É, nós todos -os cinco- vamos nos encontrar na cidade de cada um, para continuarmos a amizade que fizemos aqui. Do futuro, ninguém sabe", afirmou a constrangida Catiane, trocando olhares marotos com o tímido João.
Os cinco pelo menos têm algo em comum. Emocionaram-se com a mesma cena: israelenses e palestinos dando-se as mãos, lendo uma carta pacifista e cantando "Imagine", de John Lennon, em hebraico, árabe e inglês. "Foi o momento mais marcante, eu chorei", conta Renata Lopes.
Já o universitário uruguaio Fernando Martínez, 22, passou a ser chamado pelos amigos Carlos e Marcelo -também uruguaios- de Fernando "El Matador" Martínez. Motivo: ele ficou com algumas garotas e iniciou um romance com a argentina Karen, 25, que deverá ter continuidade na rota do rio da Prata, entre Montevidéu e Buenos Aires.
Ao contrário do que pensa o português João Fragoso, 19, e sua namorada, que não quis revelar o nome (também ela portuguesa), o uruguaio gostou de transar dentro da barraca.
"Pode parecer incrível, mas o fato de haver muita gente no entorno até faz a gente se sentir mais íntimo. Era muita gente, e nós sós dentro da nossa barraca, como se estivéssemos em um deserto", filosofa "El Matador", cheio de amor.
Apesar de os festeiros sublinharem que sexo foi uma consequência natural, mas que estavam ali para participar do evento, houve quem os censurasse. "É o fim as pessoas virem ao fórum pensando em sexo. O momento é de reflexão política", comenta a cearense Júlia Correia, 24, ajeitando seus óculos de grau.
"Está certo, mas a química entre as pessoas é natural. Evitar isso é repressão, e isso também é política. Conheci Karen e fomos juntos a várias conferências. Adorei o Galeano [o escritor uruguaio Eduardo Galeano] e o Noam Chomsky [linguista norte-americano]", diz "El Matador" Martínez.
Apesar das diferenças, foram raras as desavenças. Judeus e palestinos eram vizinhos de barraca na r. Presidente Lula e compartilhavam o chimarrão. A maconha não incomodou os caretas, e os caretas não foram importunados por quem fumava. Rituais religiosos diversos foram respeitados.
Para mostrar a parceria dos 30 mil jovens acampados, houve protesto em solidariedade aos nudistas que foram reprimidos pela Brigada Militar por desfilar, na última segunda, gritando "abaixo a repressão, todo mundo peladão".


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