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ENCONTRO
Participantes do fórum compartilharam diversidade social, cultural, religiosa e sexual
Acampamento internacional vira torre de Babel
LÉO GERCHMANN
DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE
Quem entrou no Acampamento Internacional da Juventude durante o 3º
Fórum Social Mundial, que terminou na
última segunda-feira, em Porto Alegre,
teve a mais clara noção do que significa
uma torre de Babel. Só que com variedades que não se limitavam aos idiomas,
como na passagem bíblica. Eram também de classe social, formação cultural,
religião, sexo e até na forma de fazer sexo.
Que o diga o paulista Giovani Flagriari,
21, natural de Mariápolis e estudante de
letras. Giovani chegou ao Fórum Social
carregando as melhores intenções.
Em primeiro lugar, ele queria conhecer
uma garota com a credencial de ser originária dos EUA, da Inglaterra ou do Canadá. Enfim, que falasse inglês fluente e
saciasse seu interesse em praticar o idioma. Se fosse competente também na arte
de fazer sexo dentro da barraca, maravilha. No primeiro dia, Giovani se sentiu
um afortunado. Loira, bronzeada, linda
-e norte-americana! Era ela.
Lá se foi o paulista entabular um diálogo no seu inglês inseguro. A conversa já
durava uns 15 minutos quando de uma
barraca recém-armada surgiu outra norte-americana, fazendo cara de poucos
amigos. As duas se abraçaram com um
afeto que superou qualquer idioma no
seu significado. Giovani se tocou.
Os amigos João Fuzatto, 23, de Piracicaba (SP); Catiane Matiello, 20, de Medianeira (PR); Amanda Rosa, 23, de Santos (SP); e Renata Lopes, 25, de Cruz Alta
(RS) olharam para o decepcionado Gionavi e comentaram a preferência sexual
das norte-americanas, sem qualquer
censura ou malícia. Nenhum deles, afinal, é preconceituoso. O problema foi
que os comentários feitos em alto e bom
som, em português, eram entendidos pelas duas, que vivem no Rio. Ficou chato.
A Agência Folha teve a oportunidade
de se aproximar um casal. Catiane e João
Fuzatto, de mãos dadas, relutaram em
falar com a reportagem sobre o namoro
que se iniciava ali. Fotos, então, nem
pensar. No fim, cederam.
"É, nós todos -os cinco- vamos nos
encontrar na cidade de cada um, para
continuarmos a amizade que fizemos
aqui. Do futuro, ninguém sabe", afirmou
a constrangida Catiane, trocando olhares marotos com o tímido João.
Os cinco pelo menos têm algo em comum. Emocionaram-se com a mesma
cena: israelenses e palestinos dando-se as
mãos, lendo uma carta pacifista e cantando "Imagine", de John Lennon, em
hebraico, árabe e inglês. "Foi o momento
mais marcante, eu chorei", conta Renata
Lopes.
Já o universitário uruguaio Fernando
Martínez, 22, passou a ser chamado pelos amigos Carlos e Marcelo -também
uruguaios- de Fernando "El Matador"
Martínez. Motivo: ele ficou com algumas
garotas e iniciou um romance com a argentina Karen, 25, que deverá ter continuidade na rota do rio da Prata, entre
Montevidéu e Buenos Aires.
Ao contrário do que pensa o português
João Fragoso, 19, e sua namorada, que
não quis revelar o nome (também ela
portuguesa), o uruguaio gostou de transar dentro da barraca.
"Pode parecer incrível, mas o fato de
haver muita gente no entorno até faz a
gente se sentir mais íntimo. Era muita
gente, e nós sós dentro da nossa barraca,
como se estivéssemos em um deserto",
filosofa "El Matador", cheio de amor.
Apesar de os festeiros sublinharem que
sexo foi uma consequência natural, mas
que estavam ali para participar do evento, houve quem os censurasse. "É o fim
as pessoas virem ao fórum pensando em
sexo. O momento é de reflexão política",
comenta a cearense Júlia Correia, 24,
ajeitando seus óculos de grau.
"Está certo, mas a química entre as pessoas é natural. Evitar isso é repressão, e
isso também é política. Conheci Karen e
fomos juntos a várias conferências. Adorei o Galeano [o escritor uruguaio
Eduardo Galeano] e o Noam Chomsky
[linguista norte-americano]", diz "El
Matador" Martínez.
Apesar das diferenças, foram raras as
desavenças. Judeus e palestinos eram vizinhos de barraca na r. Presidente Lula e
compartilhavam o chimarrão. A maconha não incomodou os caretas, e os caretas não foram importunados por quem
fumava. Rituais religiosos diversos foram respeitados.
Para mostrar a parceria dos 30 mil jovens acampados, houve protesto em solidariedade aos nudistas que foram reprimidos pela Brigada Militar por desfilar, na última segunda, gritando "abaixo
a repressão, todo mundo peladão".
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