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free way
Os últimos serão os últimos
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Estivesse Marx morando aqui
nos dias de hoje, seria forçado a
mudar sua dialética. Sairiam
proletários e burgueses e entraria aquela que é a única distinção
que importa (que existe?) na
Gringolândia: cool e loser. Se
cool é difícil de traduzir (bacana,
malandro, esperto, legal etc.),
loser é inapelável: perdedor. Numa sociedade que vive em guerra
consigo mesma, ser o perdedor é
o veredicto definitivo.
A guerra não é por terras ou
independência, mas pelo nirvana geral: sucesso. O que, na
maioria das vezes, se traduz em
dinheiro. Quem tem sucessos
e/ou dinheiro tem tudo; quem
não tem fica chupando o dedo,
numa sociedade já definida aqui
como "winner takes all" ou "o
vencedor leva tudo". Não há espaço para segundos lugares
-quem não faz poeira come
poeira, como já definiu outro
best-seller. Essa cultura individual e materialista gera um nível
de competitividade inimaginável
para quem vive na solidariedade
condescendente dos trópicos.
A corrida começa desde, literalmente, o jardim de infância.
Em muitos já foi instituída a tradição McDonald's e se nomeia
um aluno do mês, além de outros prêmios. Vai-se crescendo,
o funil encolhe, e na escola os
bambinos já estão com as garras
afiadas e os dentes prontos para
DDD (devorar, deglutir, descartar) o próximo loser. Até existe
um gestual (polegar e indicador
em forma de "L") para designar
os degredados, numa ofensa
muito mais temida do que ser
chamado de ladrão, sacana ou filho da mãe.
Antes de entrar na faculdade,
as feras que conseguiram entrar
numa escola de prestígio já têm o
rebolado e estão mais sagazes do
que nunca para derrotar todo e
qualquer oponente na batalha de
vida ou morte: o acesso às boas
universidades. As vagas são poucas, os candidatos são muitos, e
vale tudo para parecer melhor e
mais rentável que o próximo
-mentir deslavadamente no
currículo, inclusive, é prática comum.
Aqueles que passam pelo gargalo vão encontrar o "mondo
cane" já delineado. Na minha faculdade, por exemplo, só uma
certa porcentagem de cada classe
(normalmente entre 15% e 25%)
pode receber um A, a nota mais
alta. Aí, salve-se quem puder.
Vale tudo: desde puxar o saco do
professor até correr para a biblioteca e levar todas as cópias
da bibliografia recomendada.
Abundam por aqui histórias de
alunos que correm para tirar a
caneta das mãos de seus colegas
quando acaba o tempo de uma
prova. Ajuda é palavrão: se você
faltar a uma aula e pedir um caderno emprestado pra tirar xerox, o máximo que pode conseguir é uma sonora gargalhada.
Apesar da aura de "terra da
oportunidade", onde um nerd
sem diploma universitário virou
o homem mais rico do planeta,
os espaços são muito poucos e o
imaginado elevador da mobilidade social não passa nem de escada rolante. Como mudar o sistema é tarefa hercúlea, foca-se a
sanha competitiva no próximo,
na ilusão de que as pequenas vitórias ganharão a grande guerra.
Não vão. Apesar de país cristão,
nos Estados Unidos os únicos
que dão a outra face são os vendedores de cosméticos. É uma
engrenagem que garante (com
algumas poucas exceções, que
fazem a alegria dos liberais e editores de revistas de negócios)
que os últimos serão, enfim, os
últimos.
Se é assim no pacato mundo
universitário, imagine no mundo de verdade, onde a competição não é por notas, e, sim, por
cargos, bônus e salários. Em alguns casos, chega-se até a jogar
com muitas vidas para ganhar
do concorrente. Mas isso é assunto para a semana que vem.
Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA,
e-mail: desembucha@cyberdude.com.
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