São Paulo, segunda, 3 de agosto de 1998

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Novos e velhos se encontram em Londres

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha

Viagens legais, lugares bacanas, shows animados, muitos livros e CDs... Todo mundo deveria ter direito a duas semanas de felicidade por ano.
Nosso passeio começa na periferia sudoeste de Londres, mais precisamente em Blackheath, um bairro perdido que tem um lindo conservatório E quem toca ali? Ninguém menos do que o Asian Dub Foundation, um grupo de paquistaneses e afins que junta tudo o que se pode juntar num fim de século tão confuso: drum'n bass, reggae, dub, techno.
O show é loucura terminal. Na platéia, tem até indiano sikh de turbante e agasalho clubber da Adidas.
O Asian Dub Foundation faz aberta campanha política por grupos minoritários da Índia e Paquistão. As letras ofendem os colonizadores britânicos com violência colossal. Mas a galera nem liga, e dança sem parar.
Você, como eu, pode até não gostar do Asian Dub Foundation, mas não se pode negar que o som é brutalmente moderno.
Como modernidade sozinha não dá camisa para ninguém, não custa nada uma breve sessão nostalgia. Com ele mesmo, Marc Almond, a face mais visível da dupla new wave/new romantic/eletrônica Soft Cell!
Almond está vivo e em plena forma, lotando durante uma semana o respeitado Almeida Theatre, onde coisa ruim não entra.
Marc faz um show semi-acústico, basicamente de novas composições. O homem (...) é bom poeta e baladista de primeira.
Fora de lugar, só um capoeirista brasileiro que entrou no palco para explicar o que era pomba-gira. No começo parecia que ele ia ganhar um beijo na boca de Almond, mas aí o brazuca falou demais e foi sutilmente dispensado pela velha raposa do Soft Cell.
Só lamentei ser um péssimo fisionomista e não reconhecer ninguém na platéia. Pela idade e visual de boa parte do público, com certeza muita gente ali foi/é de bandas daquela época, tipo Human League, Spandau Ballet, A Flock of Seagulls etc.
A duras penas, as guitarras sobrevivem no Reino Unido, o que ficou claro no show lotado do Swervedrive, num clube à beira dos canais do bairro Camden Town.
O som dos caras continua na linha "muro de distorção", sem grandes novidades. O show de abertura, do Libido, prometia ser mais interessante, mas cheguei em cima da hora e não deu pra ver.
O detalhe curioso da noite ficou por conta do porteiro, que nos deixou entrar de graça, porque, afinal, "o Brasil fica longe pra caramba".
A última etapa deste passeio foi também a mais emocionante: a apresentação esplendorosa dos americanos do Sparkeehorse.
Liderados pelo torturado Mark Lanous, eles fazem um folk rock de textura sombria, como um cruzamento bastardo de Chris Issak com Tricky.
Não sei se meu bravo amigo Marcelo Orozco, editor de esportes do "Notícias Populares", já escutou o novo do Sparkeehorse. Marcelo viaja com força na onda folk, e imagino que esteja ouvindo o CD até o laser derreter o plástico.
Sparkeehorse não é para corações fracos.

Na semana que vem: loucuras em San Francisco, estrelando este que vos fala mais Girls Against Boys, Drugstore, Buffalo Daughter... e outros menos votados. Até lá.


Álvaro Pereira Júnior, 35, é chefe de Redação da Rede Globo em São Paulo

cd player

"Good Morning Spider", Sparklehorse
A vida não muda, vagamos desorientados pelo planeta, o século 21 nada promete, e o Sparklehorse faz a trilha sonora de tudo isso. É rock, é folk, é indispensável.
"Fantasma", Cornelius
Esse Cornelius não é aquele que cantava no Made in Brazil nos anos 70. Trata-se de um músico experimental japonês, venerado no circuito dance/eletrônico dos EUA e Inglaterra. Só para aficcionados.
Smoke City ao vivo
A banda da brasileira Nina Miranda, baseada em Londres, consegue fazer um som ainda mais pseudo e desimportante do que Marisa Monte, em quem Nina obviamente se inspira. Sofrível.



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