São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2005

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CINEMA

Filme "Querida Wendy" mostra que, quando todos têm armas, um gesto banal pode ser o estopim para uma batalha campal

Mão no gatilho

LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA

Dick e Stevie são típicos garotos americanos. Vão à escola pela manhã e trabalham num mercadinho à tarde. Têm poucos amigos e um único hobby em comum: mandar chumbo.
Bem-vindo a "Querida Wendy", filme exibido na semana passada no Festival do Rio e que estreará em SP em dezembro. A tal Wendy do título é o revólver de Dick, sua amiga inseparável, que lhe injeta auto-estima e que ele nunca mostra em público.
Com outros três colegas da microcidade Estherlope, Dick e Stevie são os "dândis", confraria que se reúne numa mina abandonada para praticar tiro, estudar a mecânica de armas de fogo e o impacto das balas no corpo humano. E se dizem pacifistas.
De posse de suas pistolas, os garotos, antes tímidos e inexpressivos na comunidade, ganham confiança -conquistam garotas, respeito no trabalho e popularidade. Susan, a menina da trupe, atribui o crescimento de seus seios ao êxito da filosofia da confraria. São jovens em transe, agindo como se sob efeito de narcóticos.
Bizarro, não? Pois é. E fica ainda mais bizarro quando conhecemos os outros moradores locais: adultos assustados, também armados, com medo de bandidos que nunca aparecem, num cenário que lembra muito cidades do Velho Oeste.
O diretor Thomas Vinterberg parece perguntar: De quem essas pessoas têm tanto medo? De ladrões ou de si próprias? Para que tantas armas? É possível viver numa sociedade tão armada e ainda assim evitar mortes em abundância?
A resposta de Vinterberg a essa última pergunta em "Querida Wendy" é um gigantesco não, que toma forma na tela com corpos caindo e sangue escorrendo. O diretor norueguês mostra que, quando todos têm pistolas, revólveres, escopetas e metralhadoras a tiracolo, um gesto banal qualquer, aparentemente inofensivo, pode ser o estopim para uma batalha campal, para o triunfo da barbárie.
É uma mensagem muito direta para os EUA de hoje, que tem na Presidência um governo que não se envergonha de seu belicismo, uma população em que 48% das famílias têm ao menos uma arma de fogo em casa e uma legislação que não consegue impedir que garotos comprem granadas pela internet. Mas serve também de recado por aqui, agora que decidimos se proibiremos ou não a comercialização dessas armas.

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