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CINEMA
Filme "Querida Wendy" mostra que, quando todos têm armas, um gesto banal pode ser o estopim para uma batalha campal
Mão no gatilho
LEONARDO CRUZ
EDITOR-ASSISTENTE DA ILUSTRADA
Dick e Stevie são típicos garotos americanos. Vão à escola pela manhã e
trabalham num mercadinho à tarde. Têm poucos amigos e um único hobby
em comum: mandar chumbo.
Bem-vindo a "Querida Wendy", filme
exibido na semana passada no Festival do
Rio e que estreará em SP em dezembro. A
tal Wendy do título é o revólver de Dick,
sua amiga inseparável, que lhe injeta auto-estima e que ele nunca mostra em público.
Com outros três colegas da microcidade
Estherlope, Dick e Stevie são os "dândis",
confraria que se reúne numa mina abandonada para praticar tiro, estudar a mecânica
de armas de fogo e o impacto das balas no
corpo humano. E se dizem pacifistas.
De posse de suas pistolas, os garotos, antes tímidos e inexpressivos na comunidade,
ganham confiança -conquistam garotas,
respeito no trabalho e popularidade. Susan,
a menina da trupe, atribui o crescimento de
seus seios ao êxito da filosofia da confraria.
São jovens em transe, agindo como se sob
efeito de narcóticos.
Bizarro, não? Pois é. E fica ainda mais bizarro quando conhecemos os outros moradores locais: adultos assustados, também
armados, com medo de bandidos que nunca aparecem, num cenário que lembra
muito cidades do Velho Oeste.
O diretor Thomas Vinterberg parece perguntar: De quem essas pessoas têm tanto
medo? De ladrões ou de si próprias? Para
que tantas armas? É possível viver numa
sociedade tão armada e ainda assim evitar
mortes em abundância?
A resposta de Vinterberg a essa última
pergunta em "Querida Wendy" é um gigantesco não, que toma forma na tela com
corpos caindo e sangue escorrendo. O diretor norueguês mostra que, quando todos
têm pistolas, revólveres, escopetas e metralhadoras a tiracolo, um gesto banal qualquer, aparentemente inofensivo, pode ser o
estopim para uma batalha campal, para o
triunfo da barbárie.
É uma mensagem muito direta para os
EUA de hoje, que tem na Presidência um
governo que não se envergonha de seu belicismo, uma população em que 48% das famílias têm ao menos uma arma de fogo em
casa e uma legislação que não consegue impedir que garotos comprem granadas pela
internet. Mas serve também de recado por
aqui, agora que decidimos se proibiremos
ou não a comercialização dessas armas.
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