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A ousadia dos hackers, um corpo no lago, o Brasil
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
COLUNISTA DA FOLHA
Duas notícias aparentemente sem ligação
atingiram o público jovem na semana passada.
Primeiro, a descoberta do corpo do estudante Gutemberg Clarindo Oliveira, 16, no
fundo do lago do parque Ibirapuera, na madrugada de domingo para segunda-feira passados. Horas antes, tinha acontecido, ali perto, uma parada de música eletrônica acompanhada por cerca de 170 mil participantes.
A outra notícia, dada pelo principal jornal
do mundo, o "The
New York Times",
classifica o Brasil como paraíso dos chamados hackers, caras que conseguem
invadir até os sistemas de computação
mais protegidos. Segundo o diário, os
dez maiores grupos
de hackers do planeta estão aqui.
Bom, mas o que esses dois fatos têm em comum?
É que ambos são sintomas de uma situação
muito peculiar do país. Por um lado, temos
acesso cada vez mais rápido e fácil à informação. Os chamados cybermanos, jovens de periferia que gostam de música eletrônica e lotaram a parada domingueira, ouvem basicamente os mesmos sons que seus contemporâneos da Europa.
Os hackers brasileiros, principalmente os de
classe média para cima, entram na rede mundial de computadores com equipamentos e
largura de banda iguais aos dos fanáticos por
computação que vivem em países mais ricos.
Esse é um lado da questão. O outro é que o
Brasil, mesmo mais informado e dispondo de
uma tecnologia decente, ainda é uma sociedade à qual a gente vacila um pouco para associar ao adjetivo "civilizada".
Os hackers apavoram geral porque a legislação brasileira é nebulosa ou inexistente ou desatualizada. Nem no Estado mais rico do país,
São Paulo, a polícia tem equipamentos e efetivo para coibir a molecada que detona no
computador.
Com relação ao menino que morreu no lago, a questão é bem parecida, mas um pouco
mais complexa. As fotos publicadas aqui mesmo na Folha, já na segunda-feira, mostravam
cenas malucas, com dezenas de jovens se banhando em um lago imundo.
Ou seja, a mesma rapaziada que se deliciava
com os sons mais modernos da Terra estava
ali ao lado nadando na lama, talvez entrando
no Ibirapuera pela primeira vez, talvez entrando num parque pela primeira vez.
O que eu acho que une hackers e cybermanos é esse jogo de ida-e-vinda entre rapidez de
informação e barbárie. Entre ter acesso ao
"cutting edge", ou seja, "às fronteiras da computação e da estética
musical", e viver num
país dominado pela
esculhambação e por
uma aparentemente
eterna clivagem social.
Álvaro Pereira Júnior, 40, é editor-chefe do "Fantástico" em São Paulo
E-mail: cby2k@uol.com.br
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