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LIVROS
O escritor Marcos Rey (1925-1999) constrói aventura juvenil que permanece atual por meio do diário de uma adolescente
Páginas Urbanas
ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA
Raquel é uma adolescente bonita e inteligente. E é também uma menina
de rua em perigo, perseguida por
um maníaco que está desesperado para ter
relações sexuais com ela.
Se uma história assim fosse contada por
um autor menos hábil, poderia descambar
para o sensacionalismo fácil ou para um
panfletarismo piegas. Mas Marcos Rey sabe criar como poucos um enredo fluente e
que mantém o leitor interessado até o final.
O escritor morreu em 1999 e deixou mais
de 40 livros para jovens e adultos, entre eles
alguns que você já deve ter lido (ou deveria
ler), como "O Mistério do Cinco Estrelas".
Em "O Diário de Raquel" (ed. Cia. das Letras, R$ 24, 152 págs.), que estava até agora
inédito, acompanhamos os problemas que
a personagem encontra para se livrar da
grande roubada em que se meteu ao aceitar
um convite de um falso dono de agência de
modelos para posar para fotos. Ele a leva
para um apartamento e tenta agarrá-la. A
menina foge, mas o homem fica obcecado
por ela e passa a persegui-la.
Sem lugar para morar e órfã, Raquel é
ajudada por algumas pessoas: por Tia Vera,
uma mendiga que coleciona chapéus, por
Helena, uma amiga das ruas, e principalmente por Regina, a psicóloga de uma instituição de onde ela fugira, que descobre o
perigo que Raquel está enfrentando e se
disfarça de menina de rua para procurá-la.
Existem várias maneiras de contar uma
história: um narrador pode dizer o que está
acontecendo, um personagem pode apresentar as próprias aventuras ou as de algum
outro personagem etc. Uma das coisas bacanas de "O Diário de Raquel" é que o autor mistura muitas dessas maneiras ao longo de todo o livro, colocando até transcrições de relatórios da polícia, fichas, cartas.
O diário, porém, é a estratégia narrativa
mais comum. A menina perdeu o caderno
em que fazia anotações, e, à medida que ele
vai sendo lido por outras pessoas, o leitor
vai conhecendo detalhes de sua vida. Aliás,
é assim que tudo começa:
"Senhor diário, é muito tarde, e tenho
pressa. Vamos ficar algum tempo sem nos
ver, mas não será por preguiça ou por outra coisa. Você saberá de tudo antes dos
outros. Vou fugir..."
Pode parecer que os cadernos de anotações pessoais voltaram à moda apenas recentemente, com a onda dos blogs na internet, mas a verdade é que eles nunca estiveram em baixa. Esse livro de Marcos Rey
se filia a uma longa tradição de textos que
usam o recurso, como "Robinson Crusoé",
em que o náufrago descreve tudo que
acontece com ele em uma ilha perdida, ou
obras do gênero que se tornaram célebres,
como "O Diário de Anne Frank".
Como você percebe, portanto, "Diário de
Raquel" é um livro atual (fala de violência,
jovens, sexualidade, medo nas grandes cidades), no qual uma narrativa quase policial - inventiva e atraente- é contada de
um modo que tem uma história de séculos.
Isso não é pouco.
Adriano Schwartz é jornalista, doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da
Morte de Ricardo Reis'".
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