São Paulo, segunda-feira, 04 de outubro de 2004

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LIVROS

O escritor Marcos Rey (1925-1999) constrói aventura juvenil que permanece atual por meio do diário de uma adolescente

Páginas Urbanas

ADRIANO SCHWARTZ
ESPECIAL PARA A FOLHA

Raquel é uma adolescente bonita e inteligente. E é também uma menina de rua em perigo, perseguida por um maníaco que está desesperado para ter relações sexuais com ela.
Se uma história assim fosse contada por um autor menos hábil, poderia descambar para o sensacionalismo fácil ou para um panfletarismo piegas. Mas Marcos Rey sabe criar como poucos um enredo fluente e que mantém o leitor interessado até o final.
O escritor morreu em 1999 e deixou mais de 40 livros para jovens e adultos, entre eles alguns que você já deve ter lido (ou deveria ler), como "O Mistério do Cinco Estrelas".
Em "O Diário de Raquel" (ed. Cia. das Letras, R$ 24, 152 págs.), que estava até agora inédito, acompanhamos os problemas que a personagem encontra para se livrar da grande roubada em que se meteu ao aceitar um convite de um falso dono de agência de modelos para posar para fotos. Ele a leva para um apartamento e tenta agarrá-la. A menina foge, mas o homem fica obcecado por ela e passa a persegui-la.
Sem lugar para morar e órfã, Raquel é ajudada por algumas pessoas: por Tia Vera, uma mendiga que coleciona chapéus, por Helena, uma amiga das ruas, e principalmente por Regina, a psicóloga de uma instituição de onde ela fugira, que descobre o perigo que Raquel está enfrentando e se disfarça de menina de rua para procurá-la.
Existem várias maneiras de contar uma história: um narrador pode dizer o que está acontecendo, um personagem pode apresentar as próprias aventuras ou as de algum outro personagem etc. Uma das coisas bacanas de "O Diário de Raquel" é que o autor mistura muitas dessas maneiras ao longo de todo o livro, colocando até transcrições de relatórios da polícia, fichas, cartas.
O diário, porém, é a estratégia narrativa mais comum. A menina perdeu o caderno em que fazia anotações, e, à medida que ele vai sendo lido por outras pessoas, o leitor vai conhecendo detalhes de sua vida. Aliás, é assim que tudo começa:
"Senhor diário, é muito tarde, e tenho pressa. Vamos ficar algum tempo sem nos ver, mas não será por preguiça ou por outra coisa. Você saberá de tudo antes dos outros. Vou fugir..."
Pode parecer que os cadernos de anotações pessoais voltaram à moda apenas recentemente, com a onda dos blogs na internet, mas a verdade é que eles nunca estiveram em baixa. Esse livro de Marcos Rey se filia a uma longa tradição de textos que usam o recurso, como "Robinson Crusoé", em que o náufrago descreve tudo que acontece com ele em uma ilha perdida, ou obras do gênero que se tornaram célebres, como "O Diário de Anne Frank".
Como você percebe, portanto, "Diário de Raquel" é um livro atual (fala de violência, jovens, sexualidade, medo nas grandes cidades), no qual uma narrativa quase policial - inventiva e atraente- é contada de um modo que tem uma história de séculos. Isso não é pouco.


Adriano Schwartz é jornalista, doutor em teoria literária pela USP e autor de "O Abismo Invertido - Pessoa, Borges e a Inquietude do Romance em "O Ano da Morte de Ricardo Reis'".


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