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LIVROS
História em quadrinhos de autora iraniana mostra, com humor, a realidade política do país
Sem perder a ternura
ÍNDIGO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Marji desce até o porão, acende um
cigarro e se dá conta de que a infância acabou. Marji é uma garota
iraniana que viu seu país sucumbir à Revolução Islâmica. É também a personagem da
história em quadrinhos autobiográfica
"Persépolis" (ed. Cia das Letrinhas, R$ 29).
Hoje, Marji é Marjane Satrapi, que saiu
do Irã e foi estudar na Suécia. Tornou-se
desenhista e, numa série de quatro volumes, conta uma história de transformação,
do fim da infância para o início da fase
adulta. Esses anos, na vida dela, coincidem
com a guerra Irã-Iraque. No recém-lançado volume 2, ela está com 12 anos. Se você
não leu o volume 1, não faz mal. Dá para pegar daqui mesmo.
Encontramos uma adolescente que sente
na pele a opressão. A combinação broche
do Michael Jackson, jaqueta jeans e tênis
Nike pode resultar em chibatadas. Mas
Marji não quer saber. É filha de intelectuais
e não se deixa intimidar.
Veste a jaqueta com o broche, cobre o cabelo com o véu preto (deixando um pouquinho de franja aparecer) e vai às compras. Conhece os becos da cidade e sabe
que a avenida Ghandi é o canal para Pink
Floyd, Bee Gees e Iron Maiden.
Desafia suas professoras e não aceita que
repitam o discurso do governo, dizendo
que não existem presos políticos no país.
Protesta e se arrisca. E não vai se calar diante das injustiças. É aí que está o melhor de
"Persépolis". A história se passa no meio de
uma situação que teria tudo para ser deprimente, mas não é. Marjane não se deixa levar pelo rancor. Ela tem algo de Che Guevara. Ela denuncia. "Pero sin perder la ternura, jamás."
Com seu estilo, Marjane faz de um assunto tão complexo e distante algo compreensível. Quando a contabilidade de corpos,
explosões, atentados e mortes não comove
mais ninguém, Marjane nos apresenta uma
garotinha de HQ que dá conta do recado.
Índigo, 33, é autora de "Festa da Mexerica" (ed. Hedra)
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