São Paulo, segunda-feira, 07 de maio de 2001

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CAPA
Uma luta sem fim

Às vésperas dos 113 da abolição da escravidão, jovens negros debatem o racismo no Brasil

Gustavo Roth/ Folha Imagem
O limpador de vidros Flávio Dias de Oliveira, 22 anos e cinco filhos, acha que a palavra "negro" criou o racismo


CAROLINA FREDERICO

FREE-LANCE PARA A FOLHA

No próximo domingo, dia 13 de maio, comemora-se 113 anos da abolição da escravidão no Brasil. A proposta era que, a partir daquele dia, os negros seriam livres e teriam os mesmos direitos que os brancos. Deveriam, então, tornar-se cidadãos. Cento e treze anos depois, como está a situação do negro brasileiro? E o jovem negro? Como se situa nesse contexto?
O Folhateen escutou várias vertentes da sociedade para debater o assunto. O maior consenso é que no Brasil existe um racismo silencioso, uma ferida na qual poucos tentam tocar, mas que machuca cada vez mais a população. A maior indagação dos entrevistados, todos negros, é como considerar o racismo um problema realmente relevante num país onde a maioria nega que isso exista.
"O problema do preconceito é uma questão muito solitária, principalmente para o jovem", diz Azolida Trindade, 42, que desenvolve sua tese de doutorado sobre o racismo no cotidiano das escolas. Qual negro que, ao se sentir humilhado, não se questionou para saber se havia realmente sido vítima de racismo ou se a situação era fruto de sua imaginação? Mania de perseguição?
"As pessoas vivem dizendo que não são racistas, mas elas piram se a empregada entra no elevador", exemplifica o músico Jairzinho Oliveira, 25.
"Eu não gosto de ser chamado de negro. Se eu dissesse que sou negro seria um racismo vindo da minha própria parte. Eu prefiro que me chamem de pessoa de cor, que seria um jeito mais educado. Negro é pejorativo, vem da época dos escravos. Eu acho que a palavra negro criou o racismo", diz o limpador de vidros Flávio Dias de Oliveira, 22 anos, pai de cinco filhos e morador na Cohab Raposo Tavares, na periferia de São Paulo.
A história está repleta de casos que violam os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade" em que se baseia a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O acesso ao estudo, por exemplo. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1999, a população branca estudou, em média, 6,7 anos; e a população negra, 4,5 anos. Dados do mesmo ano dizem que 8,3% dos brancos com mais de 15 anos são analfabetos, contra 21% dos negros. 12,7% das famílias de brancos possuem uma renda média de meio salário mínimo, contra 26,2% dos negros que vivem com essa quantia.
De acordo com dados de 1998 do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), 50% dos desempregados no Brasil são negros; em São Paulo são 40% da população metropolitana. Em grandes cidades como São Paulo, Salvador e Porto Alegre, a cor discrimina mais do que o sexo na hora de procurar um emprego.
Muito provavelmente, para uma maioria da sociedade, o que se vê nas ruas não é o que as pesquisas dizem. Talvez por uma confusão na escala de cores e valores, no Brasil ninguém sabe muito bem o que é, mas muitos sabem o que não querem ser. Muitos não querem ser negros. Essa sensação não se reflete apenas nas pesquisas (de acordo com o IBGE, 54% da população se considera branca, 40% parda, 5% negra e 1% amarela ou indígena). Os negros geralmente pertencem a uma classe social mais baixa. Na juventude, fase de muita comparação e competição na vida de uma pessoa, isso é mais cruel, porque ninguém quer ser o pior, e durante muitos anos negros e brancos aprenderam que negros eram inferiores.
"As relações sociais no Brasil são marcadas por uma profunda violência e subordinação. Vivemos o mito da democracia racial, onde nossa religião é vista de uma maneira deformada, o que simboliza e gera discriminação", diz a professora universitária e militante do movimento negro Antônia Quintão.
Débora Oliveira, 22 estudante de jornalismo, ao contrário da maioria dos negros, foi educada numa escola de classe média. "Eu era a única negra da sala e ouvia tirações de sarro. As meninas riam das minhas tranças e jogavam o cabelo na minha cara. Quando iam escolher as meninas mais bonitas da sala eu sempre era a última da lista", revela Débora.
Casos como o Débora levam a crer na necessidade de um resgate de auto-estima. "Os jovens negros não têm um referencial positivo, já que o padrão estético não condiz com a realidade."
E, partindo do mesmo princípio, muitos movimentos acreditam que restaurando o seu orgulho, os negros não se sentiriam inferiores. Um exemplo disso se deu na década de 20, quando o jamaicano Marcus Garvey pregou nos EUA o lema "Back to África" (volta à África) e inspirou o rastafarianismo. A filosofia deveria ir além dos "dread locks", ser um estilo de vida. Outro exemplo aconteceu em 1955, quando a jovem Rosa Parks foi presa nos EUA por se recusar a dar seu lugar no ônibus para um branco. A prisão de Rosa levou o líder negro Martin Luther King e seus seguidores a iniciarem um boicote de quase um ano contra os serviços rodoviários da cidade. Nos anos 70 foi a vez dos movimentos "Black Power" e "Black is Beautiful" resgatar a auto-estima dos negros.
O rapper Sandrão, do grupo paulistano RZO, usa um exemplo radical para ilustrar uma relação entre negros e brancos que, segundo a maioria dos entrevistados, anda desgastada e marcada pela mágoa. "É a mesma coisa que um otário passar aqui hoje e você bater nele. Aí amanhã ele passa aqui e você bate nele de novo. E todo dia que ele passa aqui você bate nele. Aí um dia ele passa, você bate nele, mas ele compra um revólver, te dá um tiro e você morre."



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