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CAPA
Uma luta sem fim
Às vésperas dos 113 da abolição da escravidão, jovens negros debatem o racismo no Brasil
Gustavo Roth/ Folha Imagem
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O limpador de vidros Flávio Dias de Oliveira, 22 anos e cinco filhos, acha que a palavra "negro" criou o racismo |
CAROLINA FREDERICO
FREE-LANCE PARA A FOLHA
No próximo domingo, dia 13 de maio, comemora-se
113 anos da abolição da escravidão no Brasil. A proposta era que, a partir daquele dia, os negros seriam livres e teriam os mesmos direitos que os brancos. Deveriam, então, tornar-se cidadãos. Cento e treze anos depois, como está a situação do negro brasileiro? E o jovem negro? Como se situa nesse contexto?
O Folhateen escutou várias vertentes da sociedade
para debater o assunto. O maior consenso é que no Brasil existe um racismo silencioso, uma ferida na qual
poucos tentam tocar, mas que machuca cada vez mais a
população. A maior indagação dos entrevistados, todos
negros, é como considerar o racismo um problema
realmente relevante num país onde a maioria nega que
isso exista.
"O problema do preconceito é uma questão muito solitária, principalmente para o jovem", diz Azolida Trindade, 42, que desenvolve sua tese de doutorado sobre o
racismo no cotidiano das escolas. Qual negro que, ao se
sentir humilhado, não se questionou para saber se havia
realmente sido vítima de racismo ou se a situação era
fruto de sua imaginação? Mania de perseguição?
"As pessoas vivem dizendo que não são racistas, mas
elas piram se a empregada entra no elevador", exemplifica o músico Jairzinho Oliveira, 25.
"Eu não gosto de ser chamado de negro. Se eu dissesse
que sou negro seria um racismo vindo da minha própria parte. Eu prefiro que me chamem de pessoa de cor,
que seria um jeito mais educado. Negro é pejorativo,
vem da época dos escravos. Eu acho que a palavra negro
criou o racismo", diz o limpador de vidros Flávio Dias
de Oliveira, 22 anos, pai de cinco filhos e morador na
Cohab Raposo Tavares, na periferia de São Paulo.
A história está repleta de casos que violam os princípios de "liberdade, igualdade e fraternidade" em que se
baseia a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O
acesso ao estudo, por exemplo. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), em 1999, a população branca estudou, em média, 6,7 anos; e a população negra, 4,5 anos. Dados do mesmo ano dizem que
8,3% dos brancos com mais de 15 anos são analfabetos,
contra 21% dos negros. 12,7% das famílias de brancos
possuem uma renda média de meio salário mínimo,
contra 26,2% dos negros que vivem com essa quantia.
De acordo com dados de 1998 do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio-Econômicos), 50% dos desempregados no Brasil são negros; em São Paulo são 40% da população metropolitana. Em grandes cidades como São Paulo, Salvador e
Porto Alegre, a cor discrimina mais do que o sexo na
hora de procurar um emprego.
Muito provavelmente, para uma maioria da sociedade, o que se vê nas ruas não é o que as pesquisas dizem.
Talvez por uma confusão na escala de cores e valores,
no Brasil ninguém sabe muito bem o que é, mas muitos
sabem o que não querem ser. Muitos não querem ser
negros. Essa sensação não se reflete apenas nas pesquisas (de acordo com o IBGE, 54% da população se considera branca, 40% parda, 5% negra e 1% amarela ou indígena). Os negros geralmente pertencem a uma classe
social mais baixa. Na juventude, fase de muita comparação e competição na vida de uma pessoa, isso é mais
cruel, porque ninguém quer ser o pior, e durante muitos anos negros e brancos aprenderam que negros eram
inferiores.
"As relações sociais no Brasil são marcadas por uma
profunda violência e subordinação. Vivemos o mito da
democracia racial, onde nossa religião é vista de uma
maneira deformada, o que simboliza e gera discriminação", diz a professora universitária e militante do movimento negro Antônia Quintão.
Débora Oliveira, 22 estudante de jornalismo, ao contrário da maioria dos negros, foi educada numa escola
de classe média. "Eu era a única negra da sala e ouvia tirações de sarro. As meninas riam das minhas tranças e
jogavam o cabelo na minha cara. Quando iam escolher
as meninas mais bonitas da sala eu sempre era a última
da lista", revela Débora.
Casos como o Débora levam a crer na necessidade de
um resgate de auto-estima. "Os jovens negros não têm
um referencial positivo, já que o padrão estético não
condiz com a realidade."
E, partindo do mesmo princípio, muitos movimentos
acreditam que restaurando o seu orgulho, os negros
não se sentiriam inferiores. Um exemplo disso se deu
na década de 20, quando o jamaicano Marcus Garvey
pregou nos EUA o lema "Back to África" (volta à África)
e inspirou o rastafarianismo. A filosofia deveria ir além
dos "dread locks", ser um estilo de vida. Outro exemplo
aconteceu em 1955, quando a jovem Rosa Parks foi presa nos EUA por se recusar a dar seu lugar no ônibus para um branco. A prisão de Rosa levou o líder negro Martin Luther King e seus seguidores a iniciarem um boicote de quase um ano contra os serviços rodoviários da cidade. Nos anos 70 foi a vez dos movimentos "Black Power" e "Black is Beautiful" resgatar a auto-estima dos
negros.
O rapper Sandrão, do grupo paulistano RZO, usa um
exemplo radical para ilustrar uma relação entre negros
e brancos que, segundo a maioria dos entrevistados, anda desgastada e marcada pela mágoa. "É a mesma coisa
que um otário passar aqui hoje e você bater nele. Aí
amanhã ele passa aqui e você bate nele de novo. E todo
dia que ele passa aqui você bate nele. Aí um dia ele passa, você bate nele, mas ele compra um revólver, te dá
um tiro e você morre."
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