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free way
Filo, ma non troppo
GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha
Uma das maiores provas de
sucesso por aqui é doar dinheiro. Dá-se a hospitais, universidades, orquestras, ambientalistas, organizações contra o fosfato na comida de cachorro e associações das mães contra as professoras primárias que molestam seus filhos. Para cada um
que você quiser ajudar -ou
atrapalhar-, há um grupelho
organizado que recolhe fundos e
os usa para construir um prédio,
conduzir pesquisa científica ou
subornar um deputado. Por ano,
a filantropia americana movimenta 300 bilhões de dólares, dinheiro suficiente pra pagar todas as plásticas da Dercy Gonçalves, montar a campanha do
Enéas pra rei da Dinamarca e
ainda sobrar troco.
A idéia prevalecente é que seria esta a forma de os mais afortunados devolverem às comunidades aquilo que dela lucraram.
Seria altruísmo elogiável, não
parecesse uma simples parte do
marketing pessoal a que se prestam os que podem na sua luta
por um lugar ao sol. Na minha
universidade, por exemplo, uma
doação de um ex-aluno, de US$
10 milhões, foi destinada à construção de um novo prédio. Como o prédio inteiro vai custar
US$ 100 milhões, a iniciativa do
empreendedor generoso só vai
lhe dar uma área igual aos 10%
com que ele contribuiu.
A delimitação precisa da generosidade, longe de ser a exceção,
é a regra. Se a toda ação cabe
uma reação, a cada doação corresponde uma exibição. As orquestras e museus, por exemplo,
dividem a filantropia em grupos: ouro, platina etc., de acordo
com quanto é doado. No verso
de cada programa de concerto
vem a listagem dos contribuintes da orquestra, devidamente
separados de acordo com as suas
doações, também listadas. Dar
dinheiro para uma orquestra
significa, antes de tudo, mostrar
aos outros quanta grana o doador tem para jogar fora, assim
como quem compra uma calça
Gucci de US$ 400 ou um sapato
Prada por US$ 700 está interessado não em uma roupa determinada, mas, sim, em ostentar
uma marca que serve de lembrete ambulante da opulência do
portador. Se transplantar a lógica do mundo fashion para o mecenato gerará o mesmo mau
gosto do primeiro, ainda é incerto, mas bons auspícios não traz.
O curioso -aliás, lógico- é
que as instituições recipientes
dessas doações, ao invés de desestimular a mercantilização, fomentam-na. Por saberem o que
realmente desejam seus clientes,
instituições beneméritas já não
propagandeiam os resultados
que a doação trará aos beneficiados, mas, sim, aos doadores.
Na minha universidade, por
exemplo, os pôsteres da Cruz
Vermelha pedindo doação de
sangue começam com um "Free
Pizza" em negrito e corpo duplo,
com mais espaço para os pontos
de exclamação da chamada do
que para a descrição do que é
preciso fazer pra levar a fatia de
"pepperoni". É normal caminhar por instituições que dependem das migalhas alheias e encontrar espalhados bancos, postes e até prateleiras com o nome
de alguém. O que vale é a intenção, mas o que fica é a grossura
do bolso e o tamanho do desejo
de autopromoção.
Assim que, até por uma questão de correção gramatical, o "filantropo" de antigamente (do
grego filo, amigo, antropo, homem) deveria ser substituído
por egófilo ou filoerrepê para
melhor representar os que doam
a si mesmos. Assim podiam
guardar o vocábulo dos gregos
para o único doador legítimo: o
anônimo, que dispensa a promoção. Seria este o único com
direito de dizer, à la Jânio, "fi-lo
porque qui-lo".
²
Gustavo Ioschpe, 21, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-
mail: desembucha@cyberdude.com.
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