São Paulo, segunda, 7 de setembro de 1998

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Quando a loucura é doença

free-lance para a Folha

"Aos 16 anos, além da loucura normal da adolescência, eu desenvolvi um problema psicológico, tinha pânico só de pensar que poderia ser convocado pelo Exército, escutava vozes, era muito fechado, introvertido, não conseguia falar o que sentia, e minha mãe acabava fazendo tudo para mim, porque eu parecia um morto-vivo."
Hoje, depois de um longo tratamento e intensa terapia, Zacarias Antiqueira, 33, tem uma vida normal. "Eu quis me salvar e agora tento conviver com a sociedade e minha família da melhor forma possível."
O psiquiatra Jonas Melman diz que alguns jovens desenvolvem transtornos mentais mais sérios, onde aparecem sintomas diferentes dos verificados normalmente na adolescência. "Chegam a adoecer e, em situações extremas, podem romper quadros psicóticos."
Segundo o médico, não se sabe a origem exata desses tormentos mentais. Mas a concepção mais aceita é a de que vários fatores -biológicos, psicológicos, mentais, sociais, familiares, genéticos- concorrem para precipitar o quadro. "De alguma forma eles se articulam de uma determinada maneira num indivíduo que tem uma predisposição, e o quadro irrompe", diz.
Foi o que aconteceu com o office boy Nílton Gonçalves Filho, que aos 18 anos, de um momento para outro, começou a ouvir coisas, ficar muito quieto e desenvolver uma intensa fobia de polícia. "Eu percebi que não estava bem, fiz acompanhamento terapêutico em casa e com médicos e hoje, com 26 anos, eu me sinto uma pessoa feliz, tenho o meu próprio negócio, conta corrente e até cartão de crédito", diz Nílton.
A médica assistente do serviço do Departamento de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas, Maria Cristina Ferrari, explica que o que se chama de loucura, a psicose, é um rompimento com a realidade.
"A pessoa começa a se isolar, tem queda no rendimento escolar (ou no trabalho), idéias de perseguição, pode ficar muito agressiva ou autodestrutiva." Para a médica, nem todos os jovens têm a mesma sorte de Zacarias e Nílton.
Dentre os distúrbios a que os adolescentes estão sujeitos, como fobias, depressão e os transtornos obsessivo-compulsivos (mania de limpeza é um deles), o mais grave, e que pode ser irreversível, é a esquizofrenia.
Trata-se de uma fragmentação do pensamento que traz perdas cognitivas, se não descoberta nos seus estágios iniciais, diz Maria Cristina. "É como um vaso: se houve uma pequena quebra, é possível colar e restituir a forma inicial."
O psiquiatra Haim Gunsprun diz que a esquizofrenia surge aos 13, 14 anos de idade, quando o jovem se retrai demais por um excesso de timidez, de autocrítica ou fica muito inquieto, ansioso demais para encontrar respostas para o momento que está vivendo.
"As consequências são devastadoras, vão da diminuição da capacidade intelectual até uma perda afetiva irreparável", diz ele.
Há distúrbios psicológicos menos graves, mas também danosos, como as somatizações. Carol, estudante de 16 anos, aceitou o conselho de sua dermatologista, com quem estava tratando uma intensa queda de cabelo, e começou a fazer terapia.
"Estou me sentindo muito melhor, porque percebi que a queda de cabelo era um sinal de que eu não estava bem, principalmente porque não sabia conviver com a frustração de ter um pai alcoólatra. Agora já estou convivendo melhor com esse problema, aceitando."



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