São Paulo, segunda, 7 de setembro de 1998

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As loucuras da vida têm suas razões

FÁTIMA GIGLIOTTI
free-lance para a Folha

Veronika, 24 anos, foi internada num hospício depois de uma tentativa de suicídio. Esse é o mote do novo sucesso de Paulo Coelho, o livro “Veronika Decide Morrer”, que desde julho já vendeu 150 mil exemplares.
O autor, como a personagem, também foi diagnosticado louco, em três ocasiões na adolescência, porque havia repetido de ano duas vezes seguidas, não conseguia se concentrar nos estudos e ainda queria ser escritor.
“Foram momentos difíceis, mas que me ajudaram a afirmar para mim mesmo que é possível ser diferente sem ser louco”, diz ele.
Hoje em dia ninguém é internado porque sonha em ser escritor ou leva bomba na escola. Mas, como diz a psicóloga e colunista da Folha Rosely Sayão, as sensações, os sentimentos e as emoções de quem está nessa fase da vida (que vai, pelo menos, dos 11 aos 21 anos de idade) não são consideradas muito normais mesmo, mas acabam sendo saudáveis.
É bom você entendê-las para aproveitá-las sem encanação. Nesse período, o garoto (ou a garota) começa a perceber que vai ter de tomar conta de si mesmo, mas há muitos impulsos novos atuando, os quais ele pode ainda não ter aprendido a conter.
“Então o jovem pensa que vai pirar, perder o controle da situação. Mas não vai, não, porque quem pira não pensa assim, já está na piração”, diz Rosely Sayão.
Metamorfose ambulante
“O mais característico dessa fase da vida são as mudanças sem fim. Estava amando de paixão uma coisa ou pessoa há dez minutos e, agora, não pode nem ver na frente. Por isso, frequentemente, o jovem acha que está pirando”, diz o psiquiatra Dartiu Xavier da Silveira.
Nada é muito simples. Todos os especialistas estão de acordo com o que você pode estar pensando agora: essa fase é marcada por muito sofrimento. “Um processo de mudança corporal, emocional e intelectual, em que é normal sentir-se perdido, angustiado e inseguro”, diz a psicanalista Maria Tereza Mantovanini.
Quando você não estiver se aguentando, lembre que só é preciso ter paciência consigo mesmo e com os seus sentimentos, sem ser muito exigente, porque tudo vai se acomodar quando chegar a hora, diz Maria Tereza.
As manifestações de ansiedade, depressão, pânico, impulsividade, agressividade ou isolamento são comuns, passageiras, motivadas e acontecem em momentos específicos. A gente começa a suspeitar de que não é só crise da idade quando esses estados persistem, demoram para desaparecer, afirma Silveira. “Quando existe uma tendência a repetir um padrão, provavelmente o jovem está entrando no campo da doença, da patologia.”.
Normalidade x doença
Não há números atualizados de incidência de problemas psicológicos na adolescência, mas os especialistas admitem que um número significativo de pessoas desenvolvem distúrbios a partir dessa fase tão conflituosa.
O psiquiatra Haim Grunspun tem visão muito própria do limite entre a loucura normal e a doentia. Para ele, a adolescência é marcada por três momentos claros de crise: o grito do hormônio, o grito do gene e o grito da existência.
“O primeiro acontece quando os hormônios começam a funcionar e geram oscilações internas nas sensações; o segundo é o momento de testar limites, impor a própria liberdade para saber se ainda assim é amado; e o terceiro é a busca de respostas mais profundas para a existência.”
São crises esperadas, que marcam a identidade sucessiva do jovem _corporal até os 15 anos, ligada à beleza até os 19 e, finalmente, de realização. “Mas, quando o jovem não supera uma dessas fases, ele pode ultrapassar os limites da crise e sofrer um transtorno psicológico mais sério, que precisa de tratamento.”



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