São Paulo, segunda-feira, 07 de outubro de 2002

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MÚSICA

Nega Gizza rouba a cena dominada pelos manos do rap

A voz forte das minas

DA REPORTAGEM LOCAL

Em um cenário que dá pouco espaço às mulheres, a carioca Nega Gizza, 25, arromba a porta da frente do rap com seu ótimo disco de estréia, "Na Humildade".
Rimas afiadas, voz forte e produção crua (e mais bela por conta disso) são o explosivo que serve de matéria-prima para os 12 petardos do CD. São faixas que vão das contundentes "Filme de Terror" e "Prostituta" até algumas autobiográficas como "Depressão" e "Neném", em que conta a história de seu irmão, que se envolveu com o tráfico e foi morto pela polícia.
O disco inaugura também o selo independente Dum Dum Records, dela e de seu "irmão de sangue", o rapper MV Bill.
Leia a seguir a entrevista que Nega Gizza deu ao Folhateen, em que fala sobre seu disco, sobre preconceito e sobre a participação das mulheres no rap. (GUILHERME WERNECK)

Folha - Por que lançar "Na Humildade" de forma independente?
Nega Gizza -
Pela necessidade de termos alguma coisa nossa, de termos nosso nome na parada e fazermos um trabalho com os nossos recursos. Resolvi montar o selo Dum Dum Records junto com o Bill, mas, na verdade, a minha parte na sociedade é o meu trabalho.

Folha - O rap é dominado pelos homens. Como você vê a participação da mulher no hip hop?
Nega -
A minha intenção é que, com esse CD, essa história mude. Eu sempre digo que eu sou um grupo de rap, não um grupo feminino. Digo isso porque sinto que a gente tem necessidade de atuar de igual para igual com o homem. Nunca ninguém acreditou no trabalho feminino. Então, eu abracei essa oportunidade com tudo. Minha intenção é que isso estimule outras mulheres.

Folha - Você tem um olhar feminino sobre a violência. Como você pensa a mulher na hora de criar as letras?
Nega -
As mulheres passam por vários conflitos, que eu sei que não serão resolvidos de um dia para o outro. Mas, quando eu paro para escrever sobre um assunto com o qual a mulher se identifica ou sobre um assunto que fala da mulher, eu acredito que isso vá causar uma mudança de comportamento, de postura. Isso vai ajudar a mulher a alcançar espaços que nós já deveríamos ter alcançado. Se eu quero a verdade, a verdade tem de partir de mim.

Folha - Em "Larga o Bicho", você diz que assume o seu preconceito e que o rap "é som de preto". Só os negros devem ouvir rap?
Nega -
Houve uma invasão nas músicas que os negros sempre fizeram. Fizemos o samba, e o roubaram de nós. Hoje o rap é uma coisa autêntica, totalmente nossa, porque ele relata o que vivemos, problemas sociais que vêm desde os nossos antepassados e que têm de ser resolvidos. Por isso falamos deles e tentamos praticar uma forma de mudança. Eu acredito que não só as pessoas que moram em favelas e em comunidades necessitam ouvir o que falo. Mas pessoas de toda a sociedade, de todos os níveis, porque, de repente, uma menina que é patricinha não tem a noção de que os antepassados dela participaram de toda a opressão que os pretos vivem hoje. Ela precisa saber disso. Se ela ouvir uma música dessas, for atrás da história e quiser se informar mais, estará esclarecendo a mente dela e será uma aliada nossa nessa transformação de que necessitamos, que sentimos na pele que precisamos.

Folha - Suas letras partem da sua vivência ou você é uma antena que capta o que acontece ao seu redor?
Nega -
As letras refletem a minha realidade, como no caso de "Neném". Sei que nas comunidades as pessoas já tiveram um irmão ou um parente que morreu e que teve uma história muito parecida com a do Neném. A letra dessa música é muito importante para mim. Foi quando o Neném morreu que eu me tornei "irmã" do Bill, que tive noção da responsabilidade que eu recebi, que era a de cumprir minha missão, que é o rap. Já, quando escrevo sobre a depressão, é para esclarecer as pessoas. Eu acredito que, nas comunidades, as pessoas não tenham muita noção do que é depressão. Elas estão sempre deprimidas e acham que estão chateadas. Elas nem sabem que isso é uma doença, que há formas de tratar disso.


Para ouvir "Filme de Terror", com Nega Gizza, ligue para: 0/xx/3471-4000 e escolha a opção Música - Lançamento. Custo só o da ligação.


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