São Paulo, Segunda-feira, 08 de Março de 1999
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FREE WAY

Machistas do mundo: uni-vos!

GUSTAVO IOSCHPE
especial para a Folha

Nestes tempos bicudos para nós, machos, tenho de admitir: dou graças a Deus por ter nascido homem. Não só pela parte funcional da coisa (não menstruar, não ter TPM, não ter de carregar um filho por nove meses e depois ficar tirando a teta toda hora pra dar de mamar), mas principalmente pelo lado cultural. Porque ser mulher é carregar nas costas uma história de milênios de discriminação.
A cultura judaico-cristã, da qual bebemos, coloca a mulher e sua incontrolável curiosidade -Eva e a maçã- no centro do pecado original, pelo qual teremos de pagar a prestação até o último dia. De lá até há pouco, ser mulher significava ser excluída ou, na melhor das hipóteses, incompreendida. Até Freud se resignou a chamá-la de "O Continente Negro".
Assim, seguiram-se séculos em que a mulher só ia pra "sala" da vida "fazer turismo", como reza piada machista, pois seu lugar na ordem das coisas era limitado à cozinha -literal e metaforicamente.
As mulheres não trabalhavam fora de casa, eram propriedade de pais, depois, maridos, até cumprir sua principal função: dar continuidade à espécie. Levando-se em conta que a "minoria" feminina é mais de 50% do planeta e que todo machista tem uma mãe, é de espantar que a revolta feminina tenha levado tanto tempo para acontecer.
Nas décadas de 60 e 70, quando o movimento feminista consegue resultados significativos, a balança começa a se equilibrar. Mas as raivosas feministas de então ainda tinham de lutar contra uma visível diferença em relação aos homens -somos mais fortes, mais altos, nosso cérebro é maior e, digamos, nós teee-mos, vocês não tê-êm- que parecia nos garantir a superioridade. Ainda por cima, somos apoiados pelos achados da antropologia, da sociobiologia e da teoria da evolução, que colocam os homens como eternos provedores das mulheres, historicamente confinadas às cavernas enquanto os homens caçavam.
Expostas a todas essas desvantagens, só restou às feministas pregar a rigorosa igualdade entre os sexos. Mas, como todos sabem, as mulheres não são -felizmente- iguais aos homens. São diferentes, nem melhores nem piores.
O feminismo vinha evoluindo nessa direção até chegar agora no que a última "Time" chama em sua matéria de capa de "fêmea-ismo", numa tradução livre. Trata-se de um revisionismo histórico que busca mudar as percepções sobre a mulher na origem do problema, que é justamente esse legado histórico e, principalmente, biológico, para finalmente convencer todos os machos de que as mulheres são, indubitavelmente, o sexo forte.
As "provas" abundam: elas têm cérebro menor, mas têm maior densidade de neurônios; têm mais leucócitos no sangue; podem ser mais baixas e mais fracas, mas são mais resistentes à fadiga (óbvio pra quem já foi a shoppings fazer compras com a namorada). Sua anatomia é mais "sociável": um útero que se prepara todo mês para um novo ser humano e seios que o mantêm depois de nascido.
Até o que antes era um problema, virou motivo de festa: as "fêmea-istas" consideram a TPM um período de "clareza intelectual elevada e aumento de atividade", e a menopausa não seria um período de destemperos corpóreos, mas uma "onda de poder" e um rito de passagem merecedor de comemoração.
No campo histórico-evolutivo, as revisões são muitas. Os povos caçadores da Antiguidade, na verdade, extraiam 70% de suas calorias de plantações, cultivadas adivinhe por quem.
A idéia de que a mulher precisava do homem para ajudar na criação da prole foi agora substituída pela "hipótese vovó", segundo a qual não seriam os maridos, mas sim as avós, a ajudar a mulher a garantir a sobrevivência dos filhos.
E aquela história de que o homem caçava enquanto a mulher ficava em casa é derrubada pelo conceito da "caçada comunal", na qual todos os membros da família -sogra à frente- confrontavam a caça até empurrá-la à beira de um penhasco ou envolvê-la em redes que a prendiam, sem necessitar de lanças.
O papo de que o homem seria geneticamente mais agressivo também vai para o ralo. Estudos mostram que até os três anos de idade, quando as diferenças culturais ainda não se manifestam, ambos os sexos são igualmente agressivos.
Por último, até a nossa legendária cachorrice não passaria de conversa pra corno, digo, boi dormir: as mulheres seriam tão taradas quanto os homens, como mostram os genes e a Tiazinha. Seu impulso é tão forte que em tribos africanas até hoje esse desejo é refreado por meio da amputação do clitóris e, em países muçulmanos, as adúlteras são apedrejadas em praça pública, o que configura o único caso em que, literalmente, a mulher morre de vontade de transar.
E, pra acabar com a auto-estima masculina, essas terroristas fazem questão de mostrar que até a nossa maior fonte de orgulho não é tão boa quanto a delas: enquanto o nosso Bráulio tem de se revezar fazendo as vezes de órgão sexual e urinário, as mulheres têm o clitóris só para aquilo. E, mordamo-nos de inveja, o clitóris tem o dobro de fibras nervosas.
E depois ainda reclamam que há tanto gay no mundo!


Gustavo Ioschpe, 22, é escritor e estuda administração na Wharton School e ciência política na University of Pennsylvania, EUA, e-mail: desembucha@cyberdude.com



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