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Quando as mulheres sofrem por nós
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
Ninguém ama Beth Gibbons, ou
pelo menos ela quer que acreditemos nisso. Beth Gibbons canta no
Portishead, porta-voz máximo do
lirismo pós-tudo. Ela sofre em CD
e vídeo, vaga em meio a uma bruma de guitarras, loops, sentimentos desperdiçados.
As canções do Portishead nos
remetem a noites de álcool e desilusão, quando nada dá certo e o
sangue ferve nas veias. Música feita por e para quem sofre.
PJ Harvey é inglesa e pesa menos de 45 quilos. Na melhor tradição da norte-americana Billie Holiday, faz da carreira uma espécie
de auto-imolação pública. Anoréxica, drogada, um poço de angústia inversamente proporcional a
sua pouca idade.
A gravadora chegou a rejeitar o
último álbum de PJ por causa do
estado de depaupério total dela e
de sua música. O lançamento teve
de ser adiado. Os lábios intermináveis de PJ estão a serviço da autodestruição.
Nina Persson é uma saudável jovem sueca que canta como uma
valquíria. Sua banda, o Cardigans,
oscila entre o bubblegum mais
simplório (caso do mega-sucesso
"Lovefool") e texturas abrasivas
como a do disco mais recente,
"Gran Turismo".
Nina sabe dar nó, com a língua,
em um cabinho de cereja, truque
celebrizado pela série de TV
"Twin Peaks". Ela poderia ser um
resumo do que de melhor, mais
rico e inteligente o mundo desenvolvido é capaz de produzir. Mas
há algo errado com Nina. Seus
versos, poesia simples, falam em
"ler seus lábios com medo", em
gente que gostaria de ser especial,
mas não consegue escapar do ordinário. Em algum ponto perdido
da alma escandinava, ela sofre.
Existe praia em Newport, pequena cidade litorânea de Rhode
Island, micro-Estado dos EUA,
espremido entre Massachusetts,
Connecticut e o mar. Mas isso não
significa muito. O tempo é quase
sempre desolador e, mesmo no
verão, uma névoa branca e seca
bloqueia a visão do céu azul.
Nesse clima de hedonismo frustrado, surgiu uma banda chamada Throwing Muses. E os Throwing Muses têm a desconcertante
Kristin Hersh, que de algum modo conseguiu transformar o caos
mental em que vive numa forma
sofisticada de arte, em rock and
roll e baladas, na falta de palavra
melhor, adultas.
A loucura de Kristin não é de fachada, ela tem esquizofrenia e vive à base de remédios. Kristin sofre de verdade.
Muitas sofrem de mentira. Alanis Morissette parece dona de
uma máquina que, em vez de fabricar salsichas em série, vomita
letras de histeria rasa. E são tantas
as impostoras que os nomes até se
confundem: Fiona Apple, Natalie
Imbruglia, Anne di Franco, Liz
Phair (esta última, é verdade, está
alguns furos acima das outras).
Em 1999, ficou para as mulheres, em boa parte, o papel de mártires de um milênio que agoniza.
São elas que fazem o que Ian
McCulloch dizia na letra de "Do It
Clean", do Echo and the Bunnymen: "As coisas estão erradas/ As
coisas estão andando errado/ Você consegue dizer isso numa canção?".
Como hoje é dia Internacional
da Mulher e a vida não é só sofrimento, um brinde especial às deusas que não sofrem, pelo menos
não em público. E o símbolo
maior de todas elas é a formidável
Debbie Harry, vocalista do Blondie, aos 53 anos de volta aos palcos e disco em forma total.
Muito gorda, sem sinal de operações plásticas, e mais decidida
do que nunca a exercer o papel
que alguma divindade bem-intencionada lhe reservou: fazer
deste um planeta mais feliz para
viver.
cd player
PLAY: Programa "El Séptimo
de Caballería"
Passa na TV espanhola que pegamos a
cabo, segunda-feira,
por volta de 23h. Artistas do
primeiríssimo time (R.E.M.,
Madonna, Garbage, Manic
Street Preachers) tocam ao vivo
e até respondem perguntas da
platéia. Discreto e imperdível.
PAUSE: "Supershitty to the
Max", Hellacopters
O nome é esse, não
foi erro de digitação.
Cinco suecos que
ainda se lembram muito bem
de quando o rock era feio, sujo
e malvado. Há muitas bandas
boas na Suécia. Um mistério.
EJECT: Declarações
profundas
Gilberto Gil (Ilustrada de 5/3/99), sobre
tropicalismo: "Era
uma época de desconstrução
de todo um conjunto de objetos culturais já estabelecidos.
Era o ideário de quebrar, de
romper, de descomprometer.
A juventude (...) é assim. Hoje
há o rap".
Álvaro Pereira Júnior, 35, é chefe de Redação
do "Fantástico" em São Paulo
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