São Paulo, segunda-feira, 09 de agosto de 2004

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EXPOSIÇÃO

Instalação de Pinky Wainer em frente ao Pátio do Colégio, no centro de São Paulo, denuncia assassinatos de adolescentes no país com imagens, números, estatísticas e textos do escritor Ferréz e desperta reações de jovens que passam pelo local

Arte contra a violência

ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Na praça em frente ao Pátio do Colégio, na região central de São Paulo, a visão perturbadora de corpos de jovens assassinados chama a atenção de quem passa. Não é mais uma chacina. Trata-se de uma intervenção urbana de denúncia contra os assassinatos de jovens, feita pela artista plástica Pinky Wainer, 49.
A obra está na rua desde a semana passada e vai ficar exposta até o final do mês, dentro da programação oficial do festival de hip hop Agosto Negro. O Folhateen esteve lá para conversar com os jovens que param para ver a instalação, um painel sinuoso de 12,8 m x 2,2 m que traz textos do escritor Ferréz, estatísticas de uma extensa pesquisa e imagens bem fortes -como a do corpo de um menino assassinado na guerra do tráfico no Rio sendo transportado em um carrinho de supermercado.
No segundo dia da exposição, em que a reportagem esteve lá, a maioria das pessoas que passava dava pelo menos uma espiada. Os "engravatados" olhavam com pressa. Muitos paravam -principalmente as pessoas mais simples. E, se um parava, logo chegavam outros. "Muita gente começa a ver as imagens e depois acaba lendo tudo", observa Pinky, que disse estar indo ao local todo dia. "Fico lá, sentadinha, olhando a reação das pessoas."
Adriano Carvalho, 25, estava passando por acaso e parou. "Chamou-me a atenção porque vou muito a shows do Rappa, e o Falcão tem essa postura de mostrar a desigualdade social que engole a gente", diz. Ele contou que tem três amigos que foram mortos bruscamente. "Eu cultuo muito a paz. Se cada pessoa tivesse amor ao próximo, nada disso aconteceria. A Justiça no Brasil infelizmente é fraca, falha e covarde."
Wkelisson Daniel Silva Cabral, 18, veio de Cotia, na região metropolitana de São Paulo, especialmente para ver a instalação. "É interessante observar a realidade, isso tudo é muito pouco divulgado. A maioria da violência é contra o jovem negro", diz. O seu irmão Ulysses, 22, concorda. "O ser humano trata o ser humano como qualquer coisa, como bicho." Os dois terminaram o ensino médio e estão desempregados.
Uma alemã de 21 anos, que estava há quatro dias no Brasil e preferiu não se identificar, também ficou impressionada. "Eu já tinha assistido a "Cidade de Deus" na Alemanha. Acho importante as pessoas terem conhecimento da violência. Eu não entendi as palavras, mas só as imagens dão o recado."
"É muito triste e revoltante", resumiu a cabeleireira Wilma dos Santos Fonseca, 24, que trabalha ali perto. Era a segunda vez que ela estava vendo a obra. No primeiro dia, depois de ver tudo, sentou e começou a chorar. Voltou no dia seguinte, levando duas colegas de trabalho. "Quem tem um pouco de sangue nas veias vai ler isso aqui e refletir um pouco. Quem sabe ajuda a melhorar", espera.
A própria artista, no entanto, não tem tanta esperança. "Não acredito que mude nada, mas, se mexer com uma pessoa, ou com duas ou três, é o que a gente pode fazer", diz Pinky. "A minha impressão é que, se esses jovens tomarem consciência de que a violência é um problema grande, alvo de pesquisas internacionais, talvez mude um pouco a postura deles, talvez eles se sintam mais seguros para denunciar, sintam que não estão sozinhos."

Cosme e Damião
Para que esses jovens tomassem conhecimento da instalação, foram distribuídos 2.000 panfletos na periferia da cidade, com a imagem de Cosme e Damião, os protetores das crianças, com uma tarja preta sobre os olhos -a mesma tarja que costumava aparecer sobre os olhos de adolescentes das Febens em fotos de jornais.
Aliás, o nome da obra, "Licença, Senhor, S.A.", veio da frase que os internos da Febem são obrigados a dizer antes de falar qualquer coisa. "Algumas vezes, para humilhar mesmo, eles têm de pedir licença até para coisas, como cadeiras ou mesas", diz Pinky. Já o "S.A." se refere ao que ela chama de "indústria da miséria". "Tem muita gente ganhando dinheiro com a pobreza, e os poderes não estão interessados em mudar isso. E a sociedade anônima também somos todos nós, que não fazemos nada."
Agora, mais 2.000 panfletos vão ser distribuídos por meninos de rua no centro da cidade. "Conversei com eles para explicar que isso significava mais do que os R$ 10 que eles vão ganhar", afirma a artista, que bancou toda a obra. "Para fazer uma denúncia dessas, é preciso ir até o fim, não dá para ser patrocinado por ninguém."
No painel, no meio dos números e estatísticas, saltam frases como "Quando alguém morre, vai embora uma pessoa única, singular, irrepetível". Ou "Indiferença: desviar os olhos daquilo que dói nos nossos sentidos". Camisetas de meninos da Cracolândia ajudam a personificar a denúncia.


LICENÇA, SENHOR, S.A. Instalação de Pinky Wainer, com textos de Ferréz. Em frente ao Pátio do Colégio (estação Sé do metrô). Até 30/8.

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