|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ESCUTA AQUI
Jovem, não leia este texto
ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
A meninada que nos perdoe,
mas a coluna de hoje vai para
quem se lembra dos anos 80.
A TV Cultura, de São Paulo, está
repetindo o programa "A Fábrica
do Som", nos mesmos dia e horário de antigamente -fim da tarde
de sábado.
A reprise a que assisti era especial, um programa inteiro dedicado ao poeta Augusto de Campos.
O próprio estava na platéia, com a
mulher, a cunhada e o irmão mais
velho, Haroldo (fato raro na época, quando Haroldo era o mais recluso dos Campos).
Ver aquele programa foi uma
experiência quase telepática, um
surpreendente exercício de memória. Não entendi até agora por
que, mas me lembrava de trechos
inteiros, da íntegra de alguns diálogos.
Como a hora em que um grupo
de moleques maconhados, vindos
da platéia, cercou o pobre apresentador, Tadeu Jungle, tentando
acertar a resposta para a pergunta: "O que é semiótica?".
Todos erraram, claro, mas o que
bagunçaram não foi brincadeira.
Também me lembrava do exato
instante em que Péricles Cavalcanti ajudou Regina Casé (!),
quando ela esqueceu o texto que
os dois "cantofalavam".
Engraçado ver tudo isso, quase
vinte anos depois.
São fragmentos de um Brasil
isolado, de uma juventude sem
rumo, que não via alternativa
possível entre a música abertamente popular, tipo Benito di
Paula, e a erudição avassaladora
de Augusto de Campos.
Nos Estados Unidos e na Europa, o pós-punk vivia seu auge. Os
alemães do Einsturzende Neubauten levavam o ruído a níveis
inimagináveis. Em Londres, Marc
Almond decidia acabar com o
Soft Cell, um dos pioneiros do
rock eletrônico.
A MTV americana já existia e
anunciava pela primeira vez censura a um vídeo, "Teenage Lobotomy", dos Ramones.
Na Inglaterra, Ian Curtis, do Joy
Division, já estava morto havia
três anos, e o Clash tinha mudado
a história do rock com "London
Calling", no começo dos anos 80.
Nada disso repercutia aqui. O
que de mais moderno se via naquela "Fábrica do Som" eram os
cortes de cabelo punk do apresentador e new wave discreto de Caetano Veloso, que cantou três músicas.
Na platéia, hordas de hippies
sem referência ou informação espiavam pelas primeiras frestas de
uma ditadura militar que perdia a
força.
No palco, um fenomenal desfile
de impostores, como o já citado
Péricles, Arrigo Barnabé e Thiago
Araripe. Os três mantinham com
os eruditos da época uma relação
que precisou esperar uma gíria
paulistana dos anos 90 para encontrar sua mais perfeita definição: "paga-pau".
Picaretas cantavam as lindas
traduções de Augusto, um apresentador de cabelo espetado domava a platéia, e até Caetano Veloso tinha cara de gente.
Era um Brasil atrasado, mas onde era mais fácil viver. Isolados de
influências globalizantes, morávamos num lugar ingenuamente
mais feliz.
Autenticidade é com ela mesma, Chrissie Hynde, uma das figuras mais importantes da história do rock. Vale transcrever na
íntegra as declarações publicadas
na última edição da revista americana "Spin".
Disse madame Hynde: "Lamento informar que nunca tive um
colapso nervoso, não tomo Prozac nem faço psicoterapia. Não
me considero um ícone. Sou apenas uma humilde serva do
rock. Entrei nessa porque, aos
17 anos, achei que, tocando
numa banda, não precisaria
seguir carreira profissional".
Depois, comentando sua
participação na turnê só de
mulheres Lilith Fair, ainda
emendou: "Nem sei quem são
as outras artistas. Não conheço Sarah McLachlan (idealizadora do projeto). É tudo
show business. Essa história
de que são só mulheres não
passa de um artifício. Não
quero menosprezar, mas é como Jimi Hendrix botar fogo
na guitarra: um artifício de
publicidade. Essa história de
"mulheres jovens indignadas"
é de um tédio acachapante".
Restava uma pergunta:
Chrissie, o que você acha de
ser vista como ícone pelas outras mulheres do Lilith Fair?
"Elas que esperem até eu
entrar tropeçando no trailer e
vomitar em cima das roupas
delas. Será que, depois disso,
ainda vão me admirar?"
Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de
Redação do "Fantástico" em São Paulo.
E-mail: cby2k@uol.com.br
cd player
"Middle of Nowhere", Orbital
Nova pedrada dos
veteranos eletrônicos que têm uma
vantagem sobre os similares:
fazem música ótima para dançar e que também serve para
ouvir no carro ou em casa,
sossegado. Bacana.
"Tigermilk", Belle
and Sebastian
Finalmente, ganha
distribuição mundial o primeiro álbum do grupo. "Tigermilk"
foi gravado no tempo de faculdade, e as canções mostram isso. Bonito etc., mas abaixo dos
dois álbuns seguintes.
"Com Você... Meu
Mundo Ficaria Completo", Cássia Eller
O disco tem composições de Nando
Reis e Carlinhos
Brown, entre outros supergênios. Ou seja, com esse CD...
Seu mundo fica mais chato.
Texto Anterior: Consumo: Conheça seus direitos quando for comprar CDs Próximo Texto: Capa: Hip hop é arte, é protesto, é ação Índice
|