São Paulo, Segunda-feira, 09 de Agosto de 1999
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Jovem, não leia este texto

ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR
especial para a Folha
A meninada que nos perdoe, mas a coluna de hoje vai para quem se lembra dos anos 80.
A TV Cultura, de São Paulo, está repetindo o programa "A Fábrica do Som", nos mesmos dia e horário de antigamente -fim da tarde de sábado.
A reprise a que assisti era especial, um programa inteiro dedicado ao poeta Augusto de Campos. O próprio estava na platéia, com a mulher, a cunhada e o irmão mais velho, Haroldo (fato raro na época, quando Haroldo era o mais recluso dos Campos).
Ver aquele programa foi uma experiência quase telepática, um surpreendente exercício de memória. Não entendi até agora por que, mas me lembrava de trechos inteiros, da íntegra de alguns diálogos.
Como a hora em que um grupo de moleques maconhados, vindos da platéia, cercou o pobre apresentador, Tadeu Jungle, tentando acertar a resposta para a pergunta: "O que é semiótica?".
Todos erraram, claro, mas o que bagunçaram não foi brincadeira.
Também me lembrava do exato instante em que Péricles Cavalcanti ajudou Regina Casé (!), quando ela esqueceu o texto que os dois "cantofalavam".
Engraçado ver tudo isso, quase vinte anos depois.
São fragmentos de um Brasil isolado, de uma juventude sem rumo, que não via alternativa possível entre a música abertamente popular, tipo Benito di Paula, e a erudição avassaladora de Augusto de Campos.
Nos Estados Unidos e na Europa, o pós-punk vivia seu auge. Os alemães do Einsturzende Neubauten levavam o ruído a níveis inimagináveis. Em Londres, Marc Almond decidia acabar com o Soft Cell, um dos pioneiros do rock eletrônico.
A MTV americana já existia e anunciava pela primeira vez censura a um vídeo, "Teenage Lobotomy", dos Ramones.
Na Inglaterra, Ian Curtis, do Joy Division, já estava morto havia três anos, e o Clash tinha mudado a história do rock com "London Calling", no começo dos anos 80.
Nada disso repercutia aqui. O que de mais moderno se via naquela "Fábrica do Som" eram os cortes de cabelo punk do apresentador e new wave discreto de Caetano Veloso, que cantou três músicas.
Na platéia, hordas de hippies sem referência ou informação espiavam pelas primeiras frestas de uma ditadura militar que perdia a força.
No palco, um fenomenal desfile de impostores, como o já citado Péricles, Arrigo Barnabé e Thiago Araripe. Os três mantinham com os eruditos da época uma relação que precisou esperar uma gíria paulistana dos anos 90 para encontrar sua mais perfeita definição: "paga-pau".
Picaretas cantavam as lindas traduções de Augusto, um apresentador de cabelo espetado domava a platéia, e até Caetano Veloso tinha cara de gente.
Era um Brasil atrasado, mas onde era mais fácil viver. Isolados de influências globalizantes, morávamos num lugar ingenuamente mais feliz.


Autenticidade é com ela mesma, Chrissie Hynde, uma das figuras mais importantes da história do rock. Vale transcrever na íntegra as declarações publicadas na última edição da revista americana "Spin".
Disse madame Hynde: "Lamento informar que nunca tive um colapso nervoso, não tomo Prozac nem faço psicoterapia. Não me considero um ícone. Sou apenas uma humilde serva do rock. Entrei nessa porque, aos 17 anos, achei que, tocando numa banda, não precisaria seguir carreira profissional".
Depois, comentando sua participação na turnê só de mulheres Lilith Fair, ainda emendou: "Nem sei quem são as outras artistas. Não conheço Sarah McLachlan (idealizadora do projeto). É tudo show business. Essa história de que são só mulheres não passa de um artifício. Não quero menosprezar, mas é como Jimi Hendrix botar fogo na guitarra: um artifício de publicidade. Essa história de "mulheres jovens indignadas" é de um tédio acachapante".
Restava uma pergunta: Chrissie, o que você acha de ser vista como ícone pelas outras mulheres do Lilith Fair?
"Elas que esperem até eu entrar tropeçando no trailer e vomitar em cima das roupas delas. Será que, depois disso, ainda vão me admirar?"



Álvaro Pereira Júnior, 36, é chefe de Redação do "Fantástico" em São Paulo. E-mail: cby2k@uol.com.br
cd player
"Middle of Nowhere", Orbital Nova pedrada dos veteranos eletrônicos que têm uma vantagem sobre os similares: fazem música ótima para dançar e que também serve para ouvir no carro ou em casa, sossegado. Bacana.
"Tigermilk", Belle and Sebastian
Finalmente, ganha distribuição mundial o primeiro álbum do grupo. "Tigermilk" foi gravado no tempo de faculdade, e as canções mostram isso. Bonito etc., mas abaixo dos dois álbuns seguintes.
"Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo", Cássia Eller
O disco tem composições de Nando Reis e Carlinhos Brown, entre outros supergênios. Ou seja, com esse CD... Seu mundo fica mais chato.


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