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OS SEM-CELULAR
Indo contra a corrente, jovens decidem viver sem celular para serem diferentes
dos amigos, por medo de assalto ou para não terem seus passos controlados
Fora de área
Marcelo Min/Folha Imagem
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Mateus Nogueira Silva, 16, adepto do orelhão |
ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Você já ouviu falar nos sem-terra,
nos sem-teto, ou nos trabalhadores
sem carteira assinada. No entanto,
existe uma outra categoria de excluídos: os
sem-celular. Além dos milhões de adolescentes que não têm o aparelho porque não
podem, existem também os que preferem
ficar "fora de área" por vontade própria.
Os motivos da auto-exclusão são os mais
variados: eles não querem ser controlados,
têm medo de assalto, acham celular uma
coisa fútil ou querem mesmo é nadar contra a corrente, num mundo em que é difícil
encontrar um adolescente de classe média
que não tenha o seu aparelhinho ou que
não esteja em plena campanha para ganhar
um dos pais (justamente com o argumento
de que "todo mundo tem").
"Eu odeio celular, acho que é como uma
coleira eletrônica, só serve para saberem
sempre onde você está", diz o estudante
Fernando Siwek Sala, 16. "O que minha
mãe mais quer é me dar um celular de aniversário, mas eu não quero, acho que é paranóia dela."
Fernando até tem um celular antigo, que
era do ex-motorista da mãe e que poderia
ser usado como um pré-pago, mas ele não
quer: deixa o aparelho em casa e o usa apenas como agenda eletrônica. No dia-a-dia,
anota os telefones dos amigos em pedacinhos de papel, que guarda na carteira.
Ele admite que já sentiu falta do celular
em algumas ocasiões. "A menina que eu estou ficando tem vergonha de ligar aqui em
casa. Quando ela quer falar comigo, me
manda uma mensagem pelo MSN para eu
atender o telefone, então dá um pouco de
trabalho. Mas as desvantagens de ter celular são maiores do que as vantagens."
Para a estudante Joyce Kassim, 20, a sua
aversão ao celular é quase uma postura política. "Não tenho celular e não quero ter
celular. Penso assim: sempre vivi muito
bem sem ele e acho uma tremenda bobagem, pois hoje o aparelho é mais encarado
como um bem, como algo de status, do que
pela sua utilidade mesmo. As pessoas têm
para serem iguais a todo mundo. Agora tiram foto, mandam e-mail. Mas a necessidade não era comunicar-se?", questiona.
"Meu namorado, por exemplo, não sai de
casa sem o celular, mesmo sabendo que
ninguém vai ligar para ele! Meu irmão de 12
anos pediu um celular de Dia das Crianças
há dois anos; eu, quando era pequena, pedia brinquedos", compara Joyce.
O estudante e office-boy Mateus Nogueira Silva, 16, também acha que ter celular "é
besteira". "Eu acho que não precisa. As pessoas acham esquisito, mas eu não ligo.
Meus pais já me ofereceram, mas eu não
quis. Acho que é muito gasto e, além disso,
posso correr mais risco de ser assaltado."
Já para a estudante Patrícia Correia de
Oliveira, 16, celular é "inútil". "Tenho telefone fixo, não trabalho e qualquer pessoa
pode me encontrar em casa."
Apesar disso, ela já precisou de um quando estava dentro de um ônibus, para avisar
que ia chegar atrasada em casa. "Acabei pedindo emprestado. Mas, se não existisse celular, as pessoas estariam sujeitas a essas
circunstâncias e não haveria problemas."
O ator Cesar Augusto Paula Souza, 23, já
teve celular e preferiu se livrar dele. "Eu faço dublagem desde os 15 anos, então precisava de celular por causa do trabalho. No
começo eu gostava, era farra, fui um dos
primeiros a ter. Mas, depois, cheguei a apanhar duas vezes por causa disso, porque
uns meninos achavam que era frescura.
Passei a andar com o celular escondido, aí
já comecei a pegar bode", lembra.
"Depois, percebi que nunca tinha paz.
Era sempre aquele celular tocando, no cinema, no restaurante, a família toda ligando. Chega uma hora em que aquele barulhinho já incomoda. Antes, ter celular era
opção. Agora passou a ser obrigação", diz
Cesar, que teve o seu aparelho furtado em
agosto e, desde então, resolveu viver sem
ele. "O celular é um diminuidor de privacidade. Hoje tem até celular com GPS, acho
um horror isso, parece perseguição. Agora
só sou encontrado quando quero."
A turma dos adeptos do orelhão não chega a ser uma tribo, pois eles costumam ser
"os diferentes" das suas turmas. Mas eles
têm um ponto em comum: pelo menos,
não estão falando sozinhos.
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