São Paulo, segunda-feira, 10 de janeiro de 2005

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OS SEM-CELULAR

Indo contra a corrente, jovens decidem viver sem celular para serem diferentes dos amigos, por medo de assalto ou para não terem seus passos controlados

Fora de área

Marcelo Min/Folha Imagem
Mateus Nogueira Silva, 16, adepto do orelhão


ALESSANDRA KORMANN
DA REPORTAGEM LOCAL

Você já ouviu falar nos sem-terra, nos sem-teto, ou nos trabalhadores sem carteira assinada. No entanto, existe uma outra categoria de excluídos: os sem-celular. Além dos milhões de adolescentes que não têm o aparelho porque não podem, existem também os que preferem ficar "fora de área" por vontade própria.
Os motivos da auto-exclusão são os mais variados: eles não querem ser controlados, têm medo de assalto, acham celular uma coisa fútil ou querem mesmo é nadar contra a corrente, num mundo em que é difícil encontrar um adolescente de classe média que não tenha o seu aparelhinho ou que não esteja em plena campanha para ganhar um dos pais (justamente com o argumento de que "todo mundo tem").
"Eu odeio celular, acho que é como uma coleira eletrônica, só serve para saberem sempre onde você está", diz o estudante Fernando Siwek Sala, 16. "O que minha mãe mais quer é me dar um celular de aniversário, mas eu não quero, acho que é paranóia dela."
Fernando até tem um celular antigo, que era do ex-motorista da mãe e que poderia ser usado como um pré-pago, mas ele não quer: deixa o aparelho em casa e o usa apenas como agenda eletrônica. No dia-a-dia, anota os telefones dos amigos em pedacinhos de papel, que guarda na carteira.
Ele admite que já sentiu falta do celular em algumas ocasiões. "A menina que eu estou ficando tem vergonha de ligar aqui em casa. Quando ela quer falar comigo, me manda uma mensagem pelo MSN para eu atender o telefone, então dá um pouco de trabalho. Mas as desvantagens de ter celular são maiores do que as vantagens."
Para a estudante Joyce Kassim, 20, a sua aversão ao celular é quase uma postura política. "Não tenho celular e não quero ter celular. Penso assim: sempre vivi muito bem sem ele e acho uma tremenda bobagem, pois hoje o aparelho é mais encarado como um bem, como algo de status, do que pela sua utilidade mesmo. As pessoas têm para serem iguais a todo mundo. Agora tiram foto, mandam e-mail. Mas a necessidade não era comunicar-se?", questiona.
"Meu namorado, por exemplo, não sai de casa sem o celular, mesmo sabendo que ninguém vai ligar para ele! Meu irmão de 12 anos pediu um celular de Dia das Crianças há dois anos; eu, quando era pequena, pedia brinquedos", compara Joyce.
O estudante e office-boy Mateus Nogueira Silva, 16, também acha que ter celular "é besteira". "Eu acho que não precisa. As pessoas acham esquisito, mas eu não ligo. Meus pais já me ofereceram, mas eu não quis. Acho que é muito gasto e, além disso, posso correr mais risco de ser assaltado."
Já para a estudante Patrícia Correia de Oliveira, 16, celular é "inútil". "Tenho telefone fixo, não trabalho e qualquer pessoa pode me encontrar em casa."
Apesar disso, ela já precisou de um quando estava dentro de um ônibus, para avisar que ia chegar atrasada em casa. "Acabei pedindo emprestado. Mas, se não existisse celular, as pessoas estariam sujeitas a essas circunstâncias e não haveria problemas."
O ator Cesar Augusto Paula Souza, 23, já teve celular e preferiu se livrar dele. "Eu faço dublagem desde os 15 anos, então precisava de celular por causa do trabalho. No começo eu gostava, era farra, fui um dos primeiros a ter. Mas, depois, cheguei a apanhar duas vezes por causa disso, porque uns meninos achavam que era frescura. Passei a andar com o celular escondido, aí já comecei a pegar bode", lembra.
"Depois, percebi que nunca tinha paz. Era sempre aquele celular tocando, no cinema, no restaurante, a família toda ligando. Chega uma hora em que aquele barulhinho já incomoda. Antes, ter celular era opção. Agora passou a ser obrigação", diz Cesar, que teve o seu aparelho furtado em agosto e, desde então, resolveu viver sem ele. "O celular é um diminuidor de privacidade. Hoje tem até celular com GPS, acho um horror isso, parece perseguição. Agora só sou encontrado quando quero."
A turma dos adeptos do orelhão não chega a ser uma tribo, pois eles costumam ser "os diferentes" das suas turmas. Mas eles têm um ponto em comum: pelo menos, não estão falando sozinhos.


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