UOL


São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"Falcão" acompanhou 16 garotos que trabalhavam para o tráfico; menos de dois anos depois, apenas um estava vivo

Soldados mortos

FERNANDA MENA
ENVIADA ESPECIAL AO RIO

A farda é informal: chinelo de dedo, bermuda e camiseta. As armas são pesadas: fuzis, pistolas e rifles. A idade é pouca, o risco é alto, e a trajetória de vida, curta demais.
Assim são os adolescentes que trabalham no tráfico de drogas no Brasil. Eles são o foco do documentário "Falcão", dirigido pelo rapper carioca MV Bill, 28, e por seu produtor, Celso Athayde, 40.
Ao longo de mais de dois anos de filmagens, em que 16 garotos de vários Estados foram escolhidos como condutores do retrato de um Brasil que não se quer ver, uma situação crítica mostrou sua face mais cruel: 15 dos 16 personagens, todos entre 13 e 18 anos, haviam morrido. A realidade havia ultrapassado as projeções mais escabrosas.
"O problema é muito mais grave do que a gente imaginava. Uma coisa é imaginar, outra é ver acontecendo na sua frente", lamenta Bill.
Soldados de um conflito constante contra a polícia, contra as facções rivais e contra sua própria condição, eles habitam o imaginário da sociedade como sanguinários agentes da violência que bate à sua porta -como quando o Rio viveu dias de terror às vésperas do Carnaval.
"Falcão" pretende ser o primeiro registro da vida (e da morte) desses garotos feito da ótica de quem conhece o problema na pele. Primeiro, porque o próprio MV Bill, quando jovem, sucumbiu ao tráfico; segundo, porque algumas cenas foram feitas pelos próprios "falcões".
Ainda em fase de captação, o projeto levantou parte dos recursos graças às leis de incentivo do Ministério da Cultura e a um prêmio de R$ 100 mil da Brasil Telecom, mas ainda busca financiamento. O Folhateen e o secretário nacional de Segurança Pública, Luis Eduardo Soares, assistiram a um trailer produzido com as primeiras filmagens. "O documentário é um trabalho muito importante. Estamos redescobrindo um Brasil que está perto de nós e, paradoxalmente, muito distante", comentou o secretário.
O Folhateen acompanhou filmagens de "Falcão" e esteve -em dezembro de 2002 e em fevereiro deste ano (um dia antes dos conflitos iniciados no dia 24 no Rio)- em comunidades onde trechos do documentário já haviam sido rodados. Conversou com jovens envolvidos no tráfico, observou seu trabalho e investigou os motivos, os anseios e as reivindicações que estão por trás da mira das armas desses "falcões".
Falcão é o nome dado aos garotos que se arriscam e movimentam o varejo de drogas Brasil afora. Falcão, como eles dizem, "não dorme".


Texto Anterior: Fique atento
Próximo Texto: Mundo sinistro
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.