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São Paulo, segunda-feira, 10 de março de 2003

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Consumo serve para lavar dinheiro

DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO

O "salário" dos garotos que atuam no narcotráfico tem destinos variados. É comum que parte dele seja destinado a ajudar suas famílias. A maior parcela, no entanto, vai para o consumo: um tênis bacana, uma roupa de marca, um boné vistoso. "Entrei pro tráfico por causa do dinheiro. Hoje em dia, você tem que andar na moral: é roupa, é tênis, é ouro", admite Antônio (nome fictício), 16.
"Você não pode culpar esses meninos, que são iludidos por algo que é glamourizado todos os dias: ter dinheiro no bolso para gastar em coisas de marca. E isso é retroalimentado diariamente pela publicidade", avalia a antropóloga Alba Zaluar, professora da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, pioneira nos estudos sobre violência e criminalidade.
Um estudo da Fundação Oswaldo Cruz, publicado no livro "Nem Soldados, Nem Inocentes", entrevistou 88 jovens ex-soldados do tráfico e verificou que, apesar dos "salários" diferentes, juntos eles gastavam R$ 30.870 por mês em compras.
De acordo com apuração de dados do Departamento da Criança e do Adolescente da Secretaria Especial de Direitos Humanos, há mais de 12 mil meninos atuando para o tráfico hoje só no Rio. Se 88 deles gastavam 227 salários mínimos por mês em roupas e acessórios, o gasto de 12 mil deve ser de centenas de milhares de reais.
"Esses garotos têm, como todo adolescente, orgulho de poder fazer compras. O perigoso é que, ao chegar a uma loja com dinheiro, eles são totalmente valorizados. Mas não é o ser humano que é valorizado, e sim, o dinheiro", explica Marcelo Rasga Moreira, 31, um dos autores da pesquisa. "A mesma sociedade e o mesmo mercado que fecharam as portas na cara desses meninos -e que exigem a sua punição- mudam de atitude quando eles estão com dinheiro."
É assim que o dinheiro dito sujo, obtido com o tráfico de drogas, se transforma em algo desejável quando bate na caixa registradora do mercado e vira lucro limpo.
Segundo Moreira, existe uma microlavagem de dinheiro interna de cada município onde há garotos nesse tipo de atividade que ainda não havia sido revelada.
"Nossa pergunta é: será que algum dia esse dinheiro vai se tornar tão importante para as economias locais a ponto de elas sofrerem um abalo caso ele deixe de existir?" (FM)


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